CAPÍTULO 13

                                                       Capítulo 13  


                                                   O NOVO MUNDO
                                                                                                                     




         _ Igor, eu gostaria de saber porque não posso me locomover livremente por aí. Desde que cheguei tenho ficado aqui na sua instituição, pouco tenho feito, pareço mais um prisioneiro do que um hóspede.
         _ Calma, Iosef. Você tem razão, gostaria muito que você se integrasse à nossa sociedade, mas tenho dificuldade de inseri-lo no sistema. Suas características morfológicas não estão cadastradas e, oficialmente, você consta como desaparecido em 17 de Julho de 2.999 em Europa, satélite de Júpiter. O sistema central não consegue aceitar seu reaparecimento porque você veio de uma época em que as viagens temporais eram proibidas. Somente as pessoas vivas a partir de 31 de Agosto de 16.745 têm seu registro entre os possíveis de viajar no tempo.
         _ Então, no momento, sou uma anomalia do sistema. Não existo no seu mundo.
         _ Exatamente.
         _ E não posso, simplesmente, caminhar? Sair por esta porta e caminhar até a rua, tomar uma condução, ir de um lado a outro.
         _ Não, isso é impossível, todos os prédios têm sistemas de identificação, se você entrar ou sair de algum prédio, será tratado como anomalia, neste caso, há vários procedimentos, você poderá ser simplesmente transferido para um centro igual ao nosso, aliás, foi isso que lhe aconteceu, quando você chegou. Pode ser tratado como um robô, e, neste caso, deveria apresentar sua identificação, ou como um inexistente, e corre o risco de ser eliminado.
         _ Como assim, eliminado?
         _ Pulverizado. Morto, excluído deste mundo.
         _ Acho que não quero esta opção. Mesmo assim, permita-me ao menos, aprender a sua linguagem, já estou compreendendo alguma coisa, vocês ainda estão me devendo os programas de linguagem.
         _ Outro problema, eu pesquisei e não temos programas compatíveis com os que você tem no cerétalo. Os nossos programas são muito mais avançados...
         _ Mas não há livros?
         _ Se não me engano, no ano que você veio, já não se usava livros.
         _ Algum programa de tradução de línguas antigas para a atual, não é possível que a história tenha se perdido.
         _ Talvez exista. Vou verificar.
         E Igor desapareceu pelo tele transporte.
         Iosef estava cansado de ficar preso naquele apartamento sem janelas, climatizado, em que tudo funcionava automaticamente. Queria e precisava conhecer o mundo e retornar ao seu tempo, ainda mais agora, sabendo que constava como desaparecido, pensou urgentemente em retornar. Resolveu sair do apartamento e correr o risco de ser tratado como anomalia, àquela altura, qualquer tratamento era melhor do que nada pelo qual passava.
         O apartamento era composto de apenas três cômodos. Uma ampla sala que também servia de quarto, com amplas janelas para a cidade. A cozinha onde fazia as refeições e o banheiro. Tudo muito simples com equipamentos eletrônicos mínimos, além de uma enorme tela dominando todo o ambiente onde se passavam filmes, propagandas, novelas, séries, documentários. Por ali, Iosef foi compreendendo o mundo em que estava, aos poucos, começou a compreender a língua falada nesta nova época, viu os lugares da Terra, Lua, Marte e Júpiter.
         Iosef acostumou-se a olhar pela janela e observar o mundo lá fora, sabia que seu apartamento estava bem alto, percebia que não havia carros voando e parecia que não havia pessoas caminhando, mas não tinha certeza porque parecia existir uma espécie de obstáculo que o impedia de ver o chão.
         Ficar preso ali não era o seu intuito, passadas quatro semanas, seu desejo era sair e caminhar, sentir o calor do Sol da forma como sentira em sua primeira viagem a Terra. Sentia-se mal e cansado preso naquele cubículo, e as visitas de Igor rarearam, Tamina não aparecia há mais de quinze dias e, na visita que Igor lhe fizera dois dias atrás, conseguiram comunicar-se na língua terrestre atual, trazendo certo estranhamento ao seu anfitrião. Era hora de sair, tentou descobrir como usar a tela de transporte.
         Parou defronte à tela e começou a tocar em seus ícones para entender melhor o funcionamento do programa. Tentou tele transportar-se para o laboratório de Igor, um local que ele conhecia, no entanto, não se deslocou, permanecendo no mesmo lugar.
         No dia seguinte, recebeu uma visita de Tamina e esta surpreendeu-se ao ouvir Iosef conversando em sua língua.
         _ Você aprendeu bem. Como está passando?
         _ Vou bem, apesar de cansado de ficar preso neste apartamento, a tela é excelente, tem ótimos programas, mas eu gostaria de conhecer o mundo ao vivo. Ficar aqui preso está me deixando muito triste.
         _ O Igor me contou que está com dificuldades de liberá-lo, mas ele está tentando conseguir uma autorização especial. Tenha paciência que tudo irá melhorar.
         _ Por que não consigo usar o tele transporte? Sempre que tento ele nega minha passagem.
         _ Acho que é porque você não tem autorização.
         _ Mas vocês conseguiram me trazer para cá.
         _ Sim, acompanhado de uma pessoa autorizada é possível usar o tele transporte.
         _ Então, porque você não me leva para conhecer o mundo lá fora?
         _ Eu não poderia. Preciso de autorização do governo para levá-lo para fora. Além do mais, não há muito o que conhecer, o mundo não é muito diferente do que você vive aqui dentro.
         _ Como faço? Continuo aqui esperando?
         _ Acho que é o jeito, vou conversar com o Igor, talvez nós consigamos acelerar o processo.
         No dia seguinte, Iosef decidiu que era hora de fazer qualquer coisa pois, se continuasse ali, provavelmente, ficaria louco. Parou defronte à porta do apartamento que deveria ser a saída, mesmo vendo que Tamina e Igor viessem sempre pelo tele transporte, tentou abri-la, ela estava trancada como estivera todo este tempo. Aproximou-se mais e bateu com o nó dos dedos na porta, tentando descobrir de que material ela era feita e não conseguiu identificar.
          Aproximou o rosto da parede contígua à porta, bateu novamente com o nó dos dedos e percebeu um som mais fraco, parecia que o material ali era menos resistente. Depois, foi até a parede oposta, onde as janelas estavam. Bateu com o dedo ao lado da janela e percebeu a dureza muito maior ali. Entendeu que ao lado da porta de saída, a parede devia ser mais fraca, pensou em quebrá-la. Nos primeiros dias, teve receio de destruir qualquer coisa ali, sabia que seu cerétalo também o impedia de ter uma atitude violenta, mas naquele momento, não havia mais razão que pudesse impedi-lo, tomou uma pequena distância e, primeiro, acertou um golpe com a sola do pé na parede. Esta estremeceu um pouco. Iosef continuou, mais três golpes e ela começou a ceder.
Pensou que logo apareceria alguém para impedi-lo. Mais alguns golpes e havia um buraco. Ele enfiou a cabeça e viu um corredor escuro, abriu um pouco mais o buraco e atravessou para o lado do corredor. Esperou por mais de quinze minutos até seus olhos se acostumarem à penumbra. Identificou outras portas, uma ao lado da outra, mais ou menos dentro da proporção que era o seu apartamento. Andou lentamente. O corredor não possuía janelas. Ele tentou abrir as portas, todas estavam trancadas menos uma que dava para uma escada. Iosef decidiu descê-la, sabendo que poderia estar a mais de duzentos andares acima do chão, na verdade, não fazia a menor idéia de que andar era o apartamento em que ficara.
          Começou a descer as escadas no meio daquela escuridão, em nenhum dos andares havia luz e tudo estava fechado. Depois de uma hora, sentou-se em um degrau e descansou. Sem alternativa melhor, continuou descendo e já contara cento e três andares quando chegou no final da escada, estava totalmente escuro, mesmo com os olhos acostumados à escuridão, era impossível enxergar qualquer coisa, marcou mentalmente o local onde estava e resolveu caminhar alguns passos por ali, tateando nas paredes. Avançou lentamente e topou com um obstáculo, memorizou a distância dali até a escada e tateou o objeto em que bateu. Sentiu que era um objeto de metal e estava muito empoeirado. Somente com o tato, intuiu que o objeto tinha o tamanho aproximado de um carro, de repente, ao tocar em algum ponto do objeto, uma porta abriu-se e uma luz acendeu-se revelando o interior de um carro, Iosef sentou-se e parou para colocar suas ideias em ordem, enquanto via pela tênue luz como era o veículo por dentro, pensou em acender as luzes externas e estas iluminaram à sua frente, um enorme estacionamento com os veículos estacionados, empoeirados e abandonados. Estava numa espécie de garagem subterrânea.
           Não compreendeu porque os veículos estava parados, mas percebeu que não haveria por onde sair e retornou à escada para encontrar a saída do prédio. Aproveitando a luz do veículo, subiu dois andares chegando ao térreo do edifício.
          Tudo estava escuro também, decidiu descansar, não fazia ideia de que horas eram, mas pensou que deveria estar próximo do amanhecer, tateou pelo térreo procurando a porta de saída até encontrá-la.
          Estacou ali. Pensando se deveria sair e correr o risco anunciado por Igor. Chegara tão longe, deveria desistir e retornar? Sua curiosidade era imensa. A ideia de que já era um desaparecido de vinte mil anos atrás o levou adiante, estando morto oficialmente, o que poderia ocorrer se não morrer fisicamente, por outro lado, morrer talvez fosse uma opção mais interessante a passar a vida assistindo programas em uma tela gigante.
          Saiu para a rua e nada pareceu acontecer-lhe. Tudo estava bastante deserto. Quase não havia iluminação. Bastante diferente da Terra que tinha na memória. “Talvez seja pelo horário, ainda é madrugada, todos estão dormindo”, pensou. Caminhou por aquela cidade de prédios enormes.
          Enquanto caminhava, uma idéia básica veio à mente: “É isso!  É tão óbvio, Com o tele transporte, ninguém precisa caminhar pela rua, basta se transportar para o local desejado!”. E continuou caminhando sem parar por mais duas horas pensando em todas as implicações que o tele transporte trouxe. Amanhecia, ele parou para descansar e viu os primeiros raios de Sol nascendo no horizonte, estava em uma praça, num ponto mais elevado. Os raios o aqueceram, sentiu-se com novo vigor.
          Com a luz do dia, pode observar a cidade dali e percebeu que praticamente ninguém saía de seus apartamentos, viu uma ou outra pessoa caminhando, daquele ponto, percebeu campos verdes a poucos quilômetros, reiniciou a caminhada na direção deles. Chegou num local em que podia avistar onde os prédios acabavam e viu apenas florestas depois dos prédios.
          Lembrou-se de Marte e de seus campos de enormes plantações, da Terra e das plantações nos arredores das cidades, não se lembrava de ter visto tantas florestas na Terra. Iosef não quis arriscar-se por aquele caminho.
          Retornou à rua de onde saíra e procurou uma loja entre tantas portas fechadas. Ao longe, avistou uma mulher caminhando e se aproximou dela. Chamou-a, ela se assustou um pouco e continuou sua caminhada. Ele insistiu.
          _ Vamos rápido, rápido! – Ela dizia - É o horário, em breve, eles começam a sair e o transtorno é grande.
          _ Quem vem, eles quem?
          _ Você não é deste mundo? Venha comigo, rápido!
          Iosef acompanhou-a. Ela entrou por uma porta que se fechou imediatamente à passagem deles. Estavam num saguão do prédio, ela o chamou até uma sala, sentou-se num sofá e lhe disse para fazer o mesmo.
          O saguão era grande e, lentamente, mais pessoas foram chegando, começou a ter um movimento.
          Iosef se dirigiu a mulher.
          _ Desculpe-me por não me apresentar, sou Iosef Biron, não sou deste planeta, sou de Marte.
          _ Prazer, meu nome é Shephar. Bem percebi, deve ser a sua primeira vez na Terra. Acontece com freqüência, vocês, marcianos.
          _ De certa forma, é a primeira vez, tem muita coisa que ainda não sei, não faço nem idéia de porque você estava com pressa...
          _ Eu gosto de sentir os raios de Sol do começo da manhã, é o horário mais tranqüilo. Quase ninguém mais faz isso. O problema é que depois de uma ou duas horas que o Sol nasce, eles começam a invadir tudo. E são um tormento.
          _ Quem?
_ Você não viu? Espere um pouco, vamos até a porta, mas não podemos abri-la.
Ela se aproximou da janela, olhou pelo vidro e lhe disse:
_ Olha, tem um lá. Olha, lá em cima. Apontou o dedo.
Ele olhou para o local e viu um macaco.
_ O macaco?
_ Sim, vêm aos milhares, passeiam pela cidade, tomam conta da rua, são um tormento, felizmente, temos nossos prédios e eles não vão lá no alto. Também colocaram as cercas de proteção e janelas e eles não passam.
_ E à noite? Vem algum animal também?
_ Raramente, às vezes vemos um jaguar, mas os menores que vêm mais, há muitos ratos que saem à noite, tem muito gato, cachorro, ninguém sai à noite.
_ Porque não usam os carros?
Shephar riu.
_ Você é de onde? Há séculos que ninguém mais usa os carros, temos o tele transporte, para que os carros?
_ Desculpe, você tem razão, estou com fome, quanto custa o café da manhã no restaurante.
_ Seu nome é Iosef? Você disse? Que nome antigo, bem se vê, parece que você é mais antigo que seu nome. Vá ao restaurante e peça o que quiser, basta pedir, não precisa pagar pela comida. Vá até o tele transporte e peça o que quiser.
_ Como faço isso? Realmente, não sei.
_ Venha comigo, é tão fácil.
Ambos se aproximaram da parede do tele transporte, Shephar explicou algumas ordens básicas e os ícones da tela rapidamente iam se alternando, Iosef prestava atenção e tomou a precaução de manter o cerétalo ligado para gravar tudo o que via, em alguns segundos, apenas mexendo os olhos e pensando, ela solicitou um café completo.
_ Pronto, em alguns minutos o café estará naquela mesa, vamos sentar e esperar.
Sentaram-se, em menos de cinco minutos, uma tênue luz surgiu em cima da mesa, e o café materializou-se rapidamente.
_ Viu, simples. Gravou tudo?
_ Sim.
_ Vá lá, tente.
Iosef foi, ficou de frente ao tele transporte, olhou os ícones e pensou no que desejava, para ele, era como descobrir, pela segunda vez, a linguagem daquele mundo. Realmente, em pouco tempo, estava lá o seu pedido.
Assim que terminaram a refeição, novamente aquela luz tênue fez os utensílios utilizados desaparecer. Shephar despediu-se de Iosef e saiu. Ele voltou ao sofá no saguão e se perdeu em pensamentos sobre aquele mundo. Sentia muito sono devido à noite passada e adormeceu ali mesmo.
Acordou algumas horas depois. Na poltrona à sua frente, Igor o observava.
_ Como me encontrou aqui?
_ Foi fácil, ninguém consegue se esconder neste mundo, as informações sobre você estão no seu cerétalo.
_ Eu pensei que o meu cerétalo fosse tão antigo que eu não poderia mais utilizá-lo... você até me disse que eu poderia ser eliminado caso saísse, entendi que eu era uma aberração neste mundo.
_ É uma aberração, ninguém de sua época havia atravessado o portal do tempo antes, apenas os nossos homens autorizados podem atravessar o portal.
_ Antes de tudo, vamos ao me interessa, eu posso usar o meu cerétalo aqui?
_ Eu deveria dizer que não, mas você já o usou.
_ Se usei foi um uso inconsciente... já sei, foi na hora em que fiz um pedido de café.
_ Exato.
_ Obrigado, Igor. Por que você está aqui comigo?
_ Fui designado para acompanhá-lo.
_ Espere, não me diga mais nada, acho que não preciso mais perguntar.
Iosef começou a pensar utilizando os códigos novos que aprendera e viu que o seu cerétalo podia navegar e acompanhar toda a troca de informações daquele mundo, ele conseguiu entrar no cerétalo de Igor e ver que ele era agente de segurança do governo central da Terra, designado para acompanhá-lo. Pensou em Tamina, outra agente de segurança, depois em Shephar e esta era apenas uma pessoa comum, uma trabalhadora burocrática. Foi entrando em vários cerétalos de diversas pessoas, foi compreendendo diversos fatos daquele mundo e descobrindo infinitas relações sociais entre as pessoas.
         Aos poucos foi somando diversas informações, percebendo que todos viviam quase definitivamente nos clubes, e que as máquinas trabalhavam e geravam toda a necessidade de bens e alimentos que a humanidade necessitava.
         _ Igor, eu não ficarei por aqui, preciso conhecer melhor este mundo. Como posso fazer isso?
         _ O que você quer exatamente?
         _ Sair por aí, andar, voar...
         Igor riu e lhe disse:
         _ Você ainda não percebeu? Ninguém mais anda por aí, ninguém mais voa em seus veículos, não precisamos mais disso, temos o tele transporte, é antiquado demais, quero dizer, nos clubes ainda andamos, pois é mais fácil em pequenas distâncias, mas sair pelo mundo? Se quiser ir daqui até Sidney na Austrália, basta eu ir até aquela parede, solicitar a minha passagem, em pouco tempo, serei transportado para lá num processo de alguns minutos estarei lá. Para que eu gostaria de ir de outra forma?
         _ Você parece ter muita razão sobre o seu mundo, mas o meu mundo era outro e ainda não consegui compreendê-los. Aqueles carros aéreos ainda são capazes de funcionar? Vi muitos no estacionamento do prédio.
         _ Não sei, acho que sim, as máquinas não se estragam. Sempre funcionam, talvez sim. Você pretende usá-los?
         _ Se algum deles ainda funcionar... Sim.
         Igor ficou confuso com aquela situação, tentava, inutilmente, através do cerétalo obter a informação correta para agir mas não sabia o que fazer. E, enquanto Iosef se afastava e procurava o caminho da escada para descer ao estacionamento, ele ficou parado, vendo-o afastar-se.
         Em pouco tempo, Iosef estava na garagem subterrânea de um dos prédios, olhando os veículos parados e empoeirados à sua frente, entrou no veículo que estava mais próximo da saída da garagem, conseguiu acender a luz interna, pelo menos, possuía algum tipo de eletricidade ainda. Olhou os comandos, pareciam simples, muito semelhantes aos veículos mais antigos, esperava apenas que este também possuísse dispositivo anti-gravidade. Preferia voar, ficaria livre dos animais selvagens.
         Ligou o veículo, apesar de ter um motor muito antigo, o carro funcionou, Iosef pensou no que seria o combustível dele, não encontrava no painel as identificações que lhe fossem familiares, mesmo assim, conseguiu manejá-lo e deixá-lo em frente ao portão. Saiu do veículo, foi até o portão e procurou como abri-lo, encontrando um botão na parede, apertou-o e o portão se levantou deixando entrar a claridade do dia. Ainda era muito difícil acreditar que se passaram alguns dias e, ao mesmo tempo, vinte mil anos, sua mente estava confusa.
         _ Agora, vamos lá, o pior que pode acontecer comigo é não voar. Então, vou a pé, não fico aqui.
         Iosef concentrou-se e o veículo começou a obedecê-lo. Em pouco tempo, estava voando sobre a cidade. Reconheceu a grande megalópole de São Paulo, onde estivera. Sobrevoou-a até atingir os seus limites, reparou que o veículo era silencioso, movido a energia elétrica vinda de uma bateria especial e leve, de um material que ele desconhecia e que armazenava muita energia, combinando ar comprimido e baterias fotovoltaicas. Funcionando, armazenava quase toda a energia que gastava, por isso, todos os veículos ainda tinham carga elétrica, mesmo que parados há muitos anos.
         Ao sobrevoar a cidade, viu o que intuíra, ninguém caminhava pelas ruas. Afastou-se do centro e demorou até chegar ao subúrbio, onde casas abandonadas faziam divisa com florestas e campos. Encontrou muitas construções grandes semelhantes às fábricas, dentro das instalações, devidamente cercadas, viu pessoas se deslocando, viu veículos como caminhões e carros. Viu o enorme clube de São Paulo, local em que se concentravam milhares de pessoas, do alto, podia vê-las se divertindo com esportes, artes e brinquedos, mas não era aquilo que procurava.
         Voou por mais de cem quilômetros e não encontrou plantações, o que o intrigou demais. A paisagem de florestas se repetia por dezenas de quilômetros até avistar alguns campos banhados por um grande rio, percebeu uma enorme área cercada e avistou plantações, que se destacavam por toda a área plana, mas, depois de alguns quilômetros, sumiam e retornava a paisagem de florestas.
 Tentou compreender, captando informações através do cerétalo, buscava saber da produção, dos locais, dos alimentos produzidos. Das quantidades consumidas, das chuvas, tudo o que envolvia o trabalho que conhecia tão bem.
         Tudo era perfeito, todas as informações eram perfeitas, a Terra, Marte e as colônias de Júpiter produziam exatamente o necessário para a sobrevivência de todos, parecia não haver desperdício em nada.
         Quanto mais Iosef voava pela Terra, vendo as florestas tomando conta dos terrenos, vendo animais selvagens, vendo plantações cercadas e em quantidade inferior a que existia, mais ficava sem compreender. Analisou índices de produtividade e constatou que a produtividade quintuplicara. Talvez isso explicasse que houvessem poucas plantações, mas era difícil acreditar em tanto, ou todo o desperdício histórico também se acabou, somando-se tudo, parece muito fácil o encaixe que se encontrava nos computadores centrais da Terra. Talvez, em vinte mil anos, os seres humanos tenham compreendido a importância de se alimentar somente com o necessário, sem desperdícios, afinal, ele não se lembrava de ter visto pessoas obesas na cidade. As questões se somavam.
         Estando próximo do antigo apartamento de Tomás, resolveu ir até lá mais pela necessidade de encontrar algo com que se familiarizasse do que por outro motivo. Novamente, encontrava-se defronte ao enorme edifício, no entanto, agora, ele lhe parecia muito mais tenebroso. Saiu do carro e começou a caminhar pelo prédio que estava ainda bastante iluminado, conseguiu atingir o antigo apartamento. Concentrou-se para saber a quem ele pertencia. E estranhou ao descobrir que ele era o próprio dono. Abriu a porta e entrou.
         Entrou e encontrou um ambiente extremamente limpo, viu que as máquinas de limpeza continuaram trabalhando nos últimos vinte mil anos. Andou pelo apartamento, relembrando os momentos que passou ali com Tomás e Rena, lembrou-se, sem uso do cerétalo, de cada detalhe e começou a sentir muita dor no coração, uma inexplicável dor que nunca sentira, uma ausência enorme de alguma coisa, uma grande vontade de reencontrar aquelas pessoas que, enfim, descobrira o quanto amava. E aquela dor de não poder mais se comunicar com eles o tomou e o derrubou no chão, e pela primeira vez, desde muito criança, quando se machucou numa brincadeira, Iosef chorou por muitas horas a falta de todos aqueles com quem conviveu, Tomás, Rena, Rebeca, Niganda, Fátima, Perseu, John, e tantos que passaram por sua vida.
         Adormeceu.
         Ao amanhecer, as janelas deixavam a tênue luz entrar, aos poucos, o Sol tomou conta do horizonte até os raios aqueceram o corpo de Iosef que abriu os olhos e se levantou vagarosamente. Estava pesado.
         Pensou em algo para comer e beber e um copo de suco de laranja acompanhado de bolo de chocolate se materializou na mesa, foi aí que viu uma carta cuidadosamente colocada junto a um pequeno enfeite florido.
         Uma carta escrita a mão a ele endereçada, na frente do envelope, seu nome, atrás, ninguém. Retirou a carta de dentro do envelope e a abriu, olhou a assinatura embaixo: Rena.
         13 de junho de 3.045
         Querido Iosef
         Espero que um dia você encontre esta carta, pois é o único meio que eu possuo para passar-lhe estas informações, uma vez que não posso colocar tudo isso nos arquivos do governo.
         Tomás faleceu há trinta dias atrás, antes disso ele passou todos os bens que possuía para você certo de que um dia você voltaria. Em breve eu serei levada para Tritão, onde o governo designou um novo empreendimento, as condições lá são extremas e não voltarei mais à Terra, disso tenho certeza.
         Não sabemos o que lhe aconteceu, e seu pai lamentou sua perda até a morte. Nós o amamos muito e só compreendemos a sua falta depois do ocorrido. No entanto, nunca perdemos a esperança de que você nos encontrasse. Ele compreendeu que encontramos uma cápsula do tempo e que você foi levado para algum tempo futuro desconhecido, o governo confiscou a máquina e não tivemos mais acesso a nada. Se pudéssemos, teríamos ido com você.
         Eu e Rebeca fortalecemos nossos laços de amizade mas ela também adoeceu de maneira inacreditável após sua partida e, agora, com a morte de Tomás, piorou e está prestes a falecer, talvez você não consiga mais vê-la também. Ela também o amava e me confidenciou que gostaria de ter vivido em tempos antigos em que as mulheres podiam ainda ser mães.
         Tomás sempre acreditou que você era especial, não lhe concebia acreditar em outra coisa. Espero que ele esteja certo, pelo menos, tornou-se especial para nós. Há alguns livros que ele lhe deixou, ele escreveu algumas teorias e você, talvez, consiga prová-las. Procure  no armário dele, se nada for confiscado pelo governo até que você apareça.
         Adeus, se um dia puder ler esta carta, significa que o futuro ainda é possível.
         Rena Miteldon.

         Iosef foi ao quarto de Tomás e encontrou apenas um grande livro em branco e uma caneta dentro de uma gaveta, na primeira página do livro, apenas uma coordenada geográfica anotada. Imediatamente, Iosef entendeu que deveria ir até aquele local.
         Voltou ao veículo, sobrevoou mais e mais campos, florestas, rios, montanhas e por breves instantes deixou-se levar pela beleza daquele planeta, no qual ele ainda se sentia um estrangeiro, pois, apesar de todas as viagens, Iosef continuava a sentir-se um homem de Marte e tudo o que isso significava. E, após avançar vinte mil anos no tempo, ficava sem reconhecer sua própria identidade. 
Ao atingir as coordenadas, Iosef avistou uma fazenda e desceu próximo a casa principal. Percebeu que tudo estava bastante quieto. Olhou a casa por fora, caminhou em sua volta procurando alguém com quem pudesse conversar, de longe, avistou uma pessoa e se dirigiu a ela, ao contatá-la pelo cerétalo, percebeu que, apesar da perfeição humana com que fora construído, tratava-se de um robô.
         _ Bom dia! – Iosef cumprimentou o robô. Este se virou e o cumprimentou também.
         _ Bom dia, senhor! Terei o máximo prazer em servi-lo.
         _ Obrigado, (Iosef leu o nome do robô) Andret! Estou viajando e gostaria de um local para descansar, posso abrigar-me em sua casa.
         _ Sim, senhor, há muitos anos não recebemos uma visita humana, ficaremos satisfeitos em servi-lo.
         _ Obrigado. Desejo apenas comer algo, tomar um banho e descansar.
         _ Venha, siga-me, temos ótimas acomodações.
         O robô conduziu Iosef até a casa, mostrou-lhe as acomodações e o levou à cozinha. Era um andróide muito solícito e parecia programado para servir a todo humano que chegasse àquela fazenda. Em poucos minutos, havia uma refeição pronta para Iosef. Depois do almoço, Andret o levou a um quarto, onde pode descansar mais um pouco. Enquanto esteve sozinho naquele quarto, Iosef desejou se encontrar com Tomás Magril e lhe contar tudo o que imaginara. Na verdade, naquele momento, sentia muita saudade de Tomás, de Rena daqueles anos em que esteve entre Marte e Terra, de Rebeca e de seus amigos do trabalho, e aquilo lhe arrebatava e, de repente, viu-se chorando o tempo perdido, viu-se chorando pelo passado.
         Seus pensamentos se desviaram de tudo naquele novo mundo em que estava e retornara para aqueles anos, então, lembrou-se de alguns livros que lera e que contavam de pessoas saudosas de outros tempos e compreendeu a passagem do tempo de outra forma e isso veio a acrescentar outra informação a tudo.
         À noite, acomodado em uma poltrona, Andret, o robô, veio fazer-lhe companhia. Iosef estava ávido de lhe perguntar muitas coisas sobre o mundo atual, sabia que aquela era a oportunidade. Muitas informações pareciam indisponíveis ou de difícil acesso no computador central.
         Sentado na poltrona, logo após o jantar, com Andret na outra poltrona, Iosef lembrou-se da primeira noite em que estivera com Rebeca em longínquo ano, agora, totalmente sem saber a passagem exata do tempo. Sentiu-se ainda mais saudoso e desejou novamente retornar ao seu tempo. A cada sensação, a compreensão de coisas não registradas lhe dava algo que nunca obtivera enquanto o cerétalo tomava conta de sua vida. Algo inexplicável.
         _Diga-me, Andret, você disse que há muitos anos não recebe visitas humanas aqui?
         _Sim. Desde que o proprietário da fazenda mudou-se. Há mais de quarenta anos.
         _ Há quantos anos você serve nesta fazenda?
         _ Trezentos e quarenta e três anos, senhor.
         _ E a produção, aumentou muito nestes anos?
         _ Ao contrário, nossa produção reduziu-se ano após ano, tudo se reduziu, o tamanho da área plantada, a produção total, as verbas obtidas.
         _ Interessante. E o dono da fazenda?
         _ Esta fazenda está na família Hitcher há mais de dois mil anos.
         _ E os animais selvagens? Vocês têm uma área grande de floresta no entorno.
         _ Nunca tivemos problemas com os animais selvagens, ficam do lado de fora da cerca, apenas produzimos grãos, nosso maior problema continua com as aves e os ratos.
         _ As aves e os ratos afligem as fazendas desde que o homem começou a plantar...
         Depois de mais de uma hora de conversa, Iosef agradeceu a Andret e se retirou para o quarto que o robô lhe reservara. Sozinho, deitado na cama, Iosef acessou o computador central e começou a buscar tudo o que podia sobre aquela fazenda e sobre a família Hitcher e o atual proprietário. A pesquisa foi demorada e, ao final de mais de duas horas, conseguir descobrir algumas coisas.
         A fazenda foi muito maior, ocupava hoje apenas vinte por cento do que já ocupara, sua produção reduziu-se proporcionalmente. O intrigante era que o valor declarado de venda de grãos pela empresa do proprietário continuava se mantendo ao longo dos últimos duzentos e cinqüenta anos como se continuasse existindo a mesma produção, era uma informação conflitante.
         Ao longo de mais algumas pesquisas, Iosef constatou que a compra de fornecedores externos aumentara ao longo dos anos, concluiu que Hitcher produziu menos e comprou mais de outros fornecedores, por isso mantinha sua receita.
         E isto era o grande problema, afinal, Iosef voou milhares de quilômetros até parar, ocasionalmente, naquela fazenda, e constatou que todas as fazendas eram pequenas, não acreditava que a produtividade fosse alta, pensou que o ocorrido com Hitcher fora igual para os outros produtores, estudou mais uma fazenda de outro ponto do planeta e chegou à mesma conclusão.
         Com estes questionamentos, adormeceu.
         De manhã, ao acordar, Andret o aguardava na copa para o café da manhã, Iosef sentiu-se agradecido pela gentileza do robô.
         _ Belo café da manhã, Andret.
         _ Obrigado, senhor, fico feliz em poder servir-lhe o melhor de nossa fazenda!
         _ O que temos aqui? Pão, bolo, café... Está ótimo. Andret, existe algum arquivo de pesquisa da história comercial desta fazenda?
         _ Sim, existe, há arquivos contábeis antigos devidamente arquivados, nós mantemos tudo desde o início da produção.
         _ E estes arquivos não estão no computador central? Não consegui acessar a totalidade da história da fazenda.
         _ Não estão. Depois de cem anos, os arquivos são excluídos da consulta pública e são locados para a consulta acadêmica apenas, para conseguir consulta via computador central é necessário ser da área acadêmica.
         _ Entendo. E você mantém os arquivos aqui?
         _ Sim, mantenho.
         _ Posso consultá-los.
         _ Sim, venha, eu o levarei ao nosso arquivo.
         Andret conduziu Iosef até a sala de arquivos eletrônicos. Era apenas uma sala pequena, uma cadeira e uma mesa num canto, no outro canto, uma daquelas telas de teletransporte semelhantes às que vira na cidade. O robô tocou a tela da parede em diversos ícones, digitando uma espécie de senha que liberava o uso dos arquivos.
         _ Aqui estão, fique à vontade para consultá-los.
         _ Obrigado, Andret!
         O robô se retirou. Iosef começou a tocar aquela tela gigante. A evolução das pesquisas lhe indicou que a fazenda de Hitcher começou a comprar maiores quantidades de grãos a partir do ano 18.037, aumentando sempre a partir daí. Curioso, Iosef retornou os arquivos à procura do nome da empresa fornecedora de grãos e encontrou a Tao-Xá, a mesma empresa que ainda fornecia atualmente. Pesquisou os dados da Tao-Xá e viu que esta era a maior fornecedora de grãos atual, detendo quase vinte e cinco por cento do mercado.A empresa constava como a maior produtora do sistema solar, com fazendas na Terra, Marte e Europa, Iosef, lembrando-se de Europa, imaginava em como era produzir grãos num local tão congelado, pensava em qual tecnologia empregada poderia produzir algo lá além de peixes.
         Cansado de tanto procurar, após algumas horas, Iosef parou e retornou à sala, sentou-se na poltrona e observou a paisagem da janela à sua frente, depois de um tempo, adormeceu. Tomando a precaução de desligar o cerétalo antes.
         Acordou cerca de uma hora depois com uma idéia surpreendente na cabeça, era possível que houvesse uma ligação entre coisas tão absurdas que imaginara? Retornou a sala dos arquivos e começou a pesquisar coisas mais antigas, queria saber a data de fundação da Tao-Xá, procurou no computador central até que encontrou: 2.997. Aquela data lhe era familiar, além, óbvio dele ter vivido naquele ano, lembrou-se. Era a data que Tamina lhe dissera ser o ano mais antigo que conseguiram retornar no tempo, mas ele sabia também, que era proibido retornar no tempo anterior a 16.745.
         Então, resolveu parar ali a pesquisa e tentou lembrar-se do seu tempo em Marte e na Terra, das pesquisas de Tomás Magril, do que lera em todo o tempo, acionou o cerétalo para verificar todos os arquivos que possuía. Buscou tudo o que vira na cápsula que o trouxera ao futuro. Passou horas pensando em tudo e tentando estabelecer relações e contatos, buscando nomes que eram semelhantes, empresas, produção. E, nesta mistura, ainda se lembrava de Rebeca, da obstinação de Tomás e de seus amigos do passado.
         Andret, o robô, encontrou-o dormindo no chão da sala de arquivo e teletransporte. Ele o ergueu e o carregou até a cama. Deixou-o.
         Iosef acordou com a tênue luz da alvorada entrando em seu quarto e com os sons dos pássaros que cantavam nas árvores do entorno da casa. Saiu e pode contemplar o amanhecer terrestre mais belo que vira em toda a sua vida. Agora compreendia tudo o que acontecera e sabia o que iria fazer. Ao entrar na copa para o desjejum, encontrou Andret pronto para servi-lo, cortês como fora no dia anterior.
         Iosef comeu o desjejum, pegou o livro em branco e a caneta que Tomás lhe deixara e começou a escrever. Durante uma semana inteira escreveu sem parar tudo que aprendera em suas pesquisas. Para ele, só havia uma única explicação: o excesso de produção do século trinta era vendido no século duzentos e trinta e, ao longo daquele período, a produção real decresceu significativamente, nunca decrescendo a quantidade consumida. A população vivia muito mais, quase ninguém nascia, quase ninguém morria mas a produção real se reduzia gradualmente e continuava se reduzindo. O teletransporte e a viagem no tempo facilitaram muito a vida humana, não havia mas necessidade de grandes locomoções e, coisas que não se encontravam no presente, eram facilmente buscadas no passado, prontas, sem necessidade de produzir novamente.
         Com certeza, alguns ganhavam muito dinheiro com este esquema ilícito porque, afinal, se era proibido voltar no tempo, alguém estava cometendo um crime e, se não existia registro disso no computador central, alguém apagava algumas informações, ou, se não apagava, ninguém sequer fizera tal relação, pelo simples fato de desconhecer o que ocorria no século trinta.
         Iosef imaginou que aquela era solução do mistério que Tomás lhe propusera. Pressentiu que a humanidade chegava a sua decadência mais por falta de vontade de sair do mundo fantasioso que construíra para si do que por incapacidade de resolver seus problemas.
         Agora, tendo desenvolvido um conhecimento novo, ele pensava no que faria, para que serviria saber tudo aquilo, ou pensar que aquele era um novo conhecimento. Por um momento a dúvida veio, estaria certo? Se estivesse, o que faria, se não estivesse, como poderia provar que estava errado?
         Ao final daquela semana, decidiu espairecer. Iosef desligou o cerétalo e voou durante toda a tarde até o topo de uma montanha chamada antigamente de Pico dos Marins, parou o veículo, altitude de quase dois mil metros, muita pedra, poucos animais selvagens, temperatura amena, iria dormir ali pois entardecia.
         Dentro do veículo, sentir-se-ia seguro. Poderia relaxar um pouco. Queria entender as viagens no tempo e as viagens no espaço, queria entender como foi possível desvendar os mistérios da Teoria da Relatividade e quebrar a barreira do espaço-tempo.
         Fechou-se dentro do veículo e adormeceu por doze horas seguidas até que os primeiros raios de sol tocaram seu rosto e suas pálpebras fechadas. Era a primeira vez que tinha esta sensação e que via o dia amanhecendo do alto de uma montanha na Terra.
         Deixou a beleza daqueles minutos o arrebatar e, ao olhar toda a paisagem no horizonte, enxergou algo que nunca pudera enxergar antes, deixou o cérebro trabalhar sem interferências pois estava tendo o deslumbramento de uma nova idéia que nascia, parecia compreender tudo o que vira, tudo o que sentira e, agora, conhecia os rumos das coisas, compreendia o mundo.
         Pensou apenas com o seu próprio cérebro durante boa parte da manhã, não sentia fome, nem vontade de sair dali enquanto imaginava.
         Ao meio dia, sentiu fome e percebeu que estava longe de tudo e não havia comida. Observou uma pequena árvore próxima dele, onde pássaros beliscavam um fruto amarelo semelhante a uma goiaba, olhou bem em volta para se prevenir de animais selvagens, abriu o carro e foi na direção da pequena árvore. Viu que os frutos estavam mordidos pelos pássaros até a semente e achou que era mesmo uma goiabeira. Comeu alguns frutos e se saciou.
         Sentia-se um ancestral do homem numa terra selvagem a desvendar um mundo novo. Lembrou-se de antigas histórias que contavam de um Jardim do Éden, onde a humanidade, segundo antigas religiões, teria vivido. Dali, parecia enxergar o Éden original. Voltou ao carro e, alguns minutos depois, viu passar um grande felino marrom por perto dele, reconheceu a onça parda e pensou que a natureza continuava existindo e sobrevivendo, apesar da passagem humana pela Terra.