CAPÍTULOS 9 E 10


Capítulo 9

PONTO DE FUGA






         Ao ouvir o barulho da gigantesca nave se aproximando, Rebeca saiu até o terreiro para apreciar a chegada, estava mais ansiosa por rever Tomás e Iosef do que pela compra que eles fariam na fazenda. Os tripulantes desceram logo após o desligamento dos motores.
         _ Rebeca!
         Rebeca olhou para aquele homem, continuava o mesmo. Mas estava bem mais velho, afinal, pelo menos trinta anos haviam passado. Percebeu em seu olhar a mesma vivacidade dos tempos em que foram companheiros. Ela ainda sentia algo especial por ele. Abraçaram-se e beijaram-se ternamente. De dentro da nave, veio Rena que se aproximou dos dois, Tomás apresentou-a. Cumprimentaram-se. Depois, o sentimento materno aproximou-a do filho.
         _ Meu filho! Já estava com saudades!
         Abraçaram-se. Iosef sentia-se bem com Rebeca.
            _ Mãe! Está tudo bem por aqui? E as chuvas, já começaram?
            _ Melhorou um pouco nos últimos dias, vai garantir a safra.
         Tomás andou pela fazenda acompanhado da ex-mulher. Tudo estava no mesmo lugar, a produção continuava, tudo muito bem feito, ele não se cansava de contar ao filho e à atual companheira, dos tempos em que vivera naquela fazenda. Depois, entrou em casa e procurou algumas anotações em seu quarto. Encontrou mais alguns manuscritos dentro de uma maleta.
         _ Papéis antigos para estudar durante a viagem!
         Durante o jantar, após o serviço dos robôs, Rebeca convidou-os para uma conversa na sala de estar, ela mesma abriu uma garrafa de vinho. A conversa girou em torno da viagem que fariam, dos problemas por vir.
         _ Amanhã de manhã, faremos a carga da nave. Devemos levantar vôo por volta de três da tarde. Almoçamos e saímos – explicou Tomás aos outros.
         _ Tomás, eu sinto que você não veio aqui atrás de um carregamento de milho para levar a Io. O que você está querendo? – perguntou Rebeca.
         _ Você está certa, vim para ter o que levar, não posso viajar por aí com uma nave graneleira desta totalmente vazia. É uma boa desculpa. Vim por muitos motivos. Queria rever você, precisava dos grãos e queria pegar aqueles manuscritos restantes no meu quarto. Estou pesquisando.
         _ Sua eterna pesquisa.
         Os dois conversavam na sala, enquanto Rena e Iosef saíram para caminhar pela fazenda, durante aquele início de noite marciana.
         _ Nunca tinha reparado que as constelações, observadas de Marte, eram tão semelhantes às vistas da Terra.
         Iosef olhou para o céu marciano.
         _ Eu nunca reparei muito nas constelações de Marte! Para dizer a verdade, Rena, não prestava atenção.  Minha vida aqui em Marte era muito agitada, o tempo inteiro era diversão, festas, clube. Trabalho. Esportes.
         _ Entendo, você fazia muita coisa e, ao mesmo tempo, não fazia nada. Não havia tempo para prestar atenção em outras coisas da vida. Você está com o cerétalo desligado?
         _ Espere um pouco. – ele executou o desligamento – Estou.
         _ Nós não estamos fazendo um comércio simples.
         _ Eu sei, há algo mais, eu não compreendi ainda.
         _ Tomás está trazendo muitos livros com ele, pretende distribuí-los em vários locais, hoje mesmo, depois que chegamos, você nem percebeu, mas ele despachou alguns pelo correio, para algumas pessoas certas aqui em Marte.
         _ Há outras pessoas aqui em Marte que gostariam de ler?
         _ Poucas. Você ainda não percebeu. Vou te contar.
         Rena sentou-se numa pedra maior, Iosef sentou-se no chão. Sobre eles o céu marciano, com todas as estrelas possíveis de se ver a olho nu, mas muito mais estrelas do que na Terra.
         _ Está vendo a constelação de Escorpião? – perguntou Rena.
         _ Não sei qual é.
         _ É aquela, siga a direção da minha mão.
         _ Estou enxergando. O que isso tem a ver?
         _ Tem a ver, que, às vezes, nós estamos olhando e não estamos enxergando. Você não percebeu ainda que fazemos parte de um grupo pequeno, ligado a vários outros grupos pequenos, estamos formando uma constelação.
         _ Há mais pessoas que estão sem usar o cerétalo, isto eu estou entendendo.
         _ Há sim. Todos nós juntos estamos financiando esta viagem. Estamos atrás do conhecimento que nos foi roubado alguma vez na antiguidade.
         _ Como assim?
         _ O mundo não é aquilo que enxergamos. Ninguém sabe ao certo quando aconteceu, mas todas as guerras acabaram, não é?
         _ Sim. Isto todos sabem.
         _ E por que? Você sabe?
         _ O cerétalo proporcionou novos conhecimentos e melhoria de aproveitamento de todos os recursos. Não havia mais necessidade de guerra.
         _ Não foi tão simples assim. O cerétalo proporcionou uma forma mais abrangente de controle, antigamente, falava-se em dominação. Os governos se transformaram, não se fala mais em eleição direta para governador, porque não existe mais governador, tudo é perfeito. As máquinas funcionam perfeitamente, não falham, e as pessoas podem fazer o que quiserem.
         _ Certo.
         _ E por que você não escolheu ser advogado em vez de técnico agrícola?
         _ Não sei. Acho que sempre quis ser técnico agrícola.
         _ Não acho. O governo decide onde alocar as pessoas nos setores de interesse dele. Incutiram na sua mente a idéia de ser técnico agrícola. Obrigaram-no a ser técnico agrícola. E agora você está aí.
         _ Será mesmo?
         _ Ninguém pode ter certeza, apenas desconfiamos. Mas há outras coisas... existe a possibilidade de que parte da produção esteja sendo desviada de forma ilícita. Ou então existe alguma grande manipulação de todos os dados que dispomos.
         _ Não entendo porque poderia haver alguma manipulação, se produzimos tanto e não utilizamos, deveria haver uma sobra, onde estaria esta sobra? Além disso, por que se armazenaria tanto excesso durante tantos anos? Talvez vocês estejam errados...
         _ É isso que precisamos saber, se nós estamos errados, será ótimo, mas se estivermos certos, precisamos descobrir o porque destas questões. Talvez algum grupo de pessoas esteja ganhando algo mais com tudo isso. Eu me lembro de antigas histórias terrestres de ficção, em que as máquinas dominavam os seres humanos com a força, obrigando-os a trabalhar para elas. Pode ser algo semelhante.
         _ Acho que vocês estão delirando, até concordo que as informações não estão encaixando, mas daí a achar que as máquinas estão comandando o mundo e que nós a servimos, é demais!
         _ Eu sei, são apenas elucubrações insanas!
         Aquela noite marciana estava agradável, Iosef arriscou:
         _ Gostaria de ir ao clube com você, poderíamos divertir-nos muito. E depois, poderíamos fazer amor.
         _ Você está com este desejo há muito tempo, não precisamos ir ao clube para isso.
         _ Mas, e o Tomás?
         _ Somos livres para o que quisermos Iosef.
         Os dois se aproximaram, Iosef tocou suas mãos nos lábios de Rena que reagiu languidamente, beijaram-se. Ali mesmo, sob a luz das estrelas, na penumbra da noite marciana, fizeram amor.
         A manhã seguinte foi dedicada ao carregamento da nave. Tomás percebeu a leveza de Iosef e Rena, mas não se preocupou, sabia o que acontecera. Mas ele também passara horas agradáveis com Rebeca, não haviam se amado mas conversaram e riram juntos de muitas coisas. Todos os quatro estavam muito satisfeitos com tudo naquela manhã.
         No almoço, ao ver todos juntos, conversando e rindo, contando casos de outros tempos, falando das coisas que partilharam, Tomás sentiu na alma uma pequena amostra do que pudesse ser uma família, como existiram há séculos atrás.
         Depois do almoço, por volta das três da tarde, com tudo devidamente acertado, era hora de partir. Rebeca se postou firme à entrada da casa, os três se despediram dela.
         _ Nós voltaremos dentro de dois ou três anos, espero que esteja aqui. – Disse-lhe Tomás.
         _ É quase certo que estarei, meu querido!
         Beijaram-se, despedindo-se.
         _ Adeus, filho. Ficarei com saudades.
         _ Adeus, mãe, também ficarei.
         _ Adeus, Rebeca.
         _ Adeus, Rena. Cuide bem de Tomás e do meu filho.
         _ Cuidarei.
         Entraram. A imensa nave levantou um vôo vertical até ficar a uma distância segura, depois acionou os motores de propulsão e partiu em direção às estrelas até sumir do campo de visão. Rebeca retomou os afazeres diários e passou o resto do dia pensado em todos os seus cento e cinqüenta anos de vida. Tomás estava certo. A vida humana tornara-se monótona, sem grandes desafios, sem nada para superar. Talvez fosse isso que ele buscava, superar algum limite, encontrar um motivo para si mesmo e, talvez, para a humanidade prosseguir. Ela começava a entender o mundo de outro jeito, a pensar nestes assuntos. Isto a incomodava.






Capítulo 10







UM ESTRANHO OBJETO







         Transcorridos alguns dias, Iosef, analisando as possíveis rotas para Júpiter, questionou Tomás sobre o motivo de estarem seguindo tão próximos da zona de asteróides entre Marte e Júpiter.
         _ Seria melhor você conversar com Rena sobre isto, mas eu vou explicar. Rena é uma arqueóloga espacial à procura de objetos que possam dar um significado da origem do universo e dos sistemas solares, afinal, tudo o que temos hoje são teorias. Ela quer aproveitar esta viagem para estudar os asteróides.
         _ Interessante, depois vou conversar com ela sobre isto.
         Muitas horas depois, o equivalente a um dia terrestre, Rena procurou Tomás.
         _ Tomás, você precisa ver estas fotos.
         _ O que tem aí? São fotos de onde.
         Rena exibiu na tela grande da nave a seqüência de fotos feita pela sonda espacial. Eram fotos e mais fotos dos incontáveis corpos celestes do cinturão de asteróides que fica entre Marte e Júpiter, quarto e quinto planetas do sistema solar. Tomás ficou observando, tentando encontrar o que chamara a atenção de Rena. Iosef, que estava se exercitando na sala de esportes, chegou e começou a observar também.
         _ Esta foto! Observe-a bem!
         _ Parece uma rocha, igual às outras.
         _ Veja, aqui, neste canto dela, neste canto bem liso, veja esta ranhura, parece um arranhão.
         _ Sim.
         _ Vamos ampliar a imagem.
         A imagem da pedra começou a ser ampliada no ponto em que havia o arranhão, aos poucos, a ranhura foi crescendo e tomando a forma de uma linha, a linha foi crescendo e se observava claramente uma inscrição na rocha.
         Iosef se espantou. Os olhos de Tomás brilharam.
         _ Uma inscrição na rocha! Parecem antigos hieróglifos. Isto é fantástico, como foi parar aí?
         _ Continue vendo as fotos, tem outra muito interessante!
         E Rena continuou exibindo, parando numa foto de uma rocha cilíndrica.
         _ Esta rocha!
         _ Parece uma rocha normal – observou Iosef.
         _ Vocês já fizeram análise de rocha com a inversão do raio trator? – perguntou-lhes Rena.
         _ Nunca, o que acontece? – Respondeu Tomás.
         _ Vejam vocês mesmos, eu inverti o raio trator e o direcionei para esta rocha, é um truque que aprendi instintivamente há alguns anos atrás quando estava trabalhando na Terra, num projeto de classificação de rochas profundas. O raio trator invertido funciona como um raio x da rocha e vê somente os metais, podemos especificar o tipo de metal que queremos com algumas alterações. Pode ser ouro, prata, ferro, níquel, qualquer metal.
         Rena mostrou a foto da seqüência, o raio trator invertido mostrava todas as rochas metálicas existentes naquele asteróide. O asteróide tinha no máximo cinqüenta metros de comprimento por vinte de largura e vinte de altura, não mais do que isto. O que se viu na seqüência foi uma forma cilíndrica oca dentro do asteróide, mas, havia muitas formas metálicas dentro da forma oca.
         _ Vejam, há algo que parece uma cavidade dentro do asteróide, uma cavidade cilíndrica, não pode ser obra do acaso, alguém construiu aquela cavidade, na verdade, acho que existe um invólucro que protege outras coisas dentro da rocha, talvez a poeira espacial tenha aderido ao invólucro com os anos e fez com que parecesse uma rocha, não sei ao certo. – disse Rena.
         _ Talvez pudéssemos trazer esta rocha para dentro da nossa nave e analisá-la.
         _ Eu também pensei nisso, Tomás. Mas é muito arriscado, teríamos que enfrentar a zona de asteróides e nossa nave é muito grande, certamente, seríamos destruídos. Aliás, é por isso que ninguém trafega pela zona de asteróides, é perigoso demais.
         _ Eu posso ir lá. – disse Iosef.
         _ Você pode? Como? – perguntou Tomás.
         _ Nós temos a nave de escape. Ela é pequena e pode trafegar entre os asteróides.
         _ Mas ela pode ser atraída pela gravidade dos asteróides maiores, você pode ficar preso lá para sempre. – disse Rena.
         _ Ele tem razão, Rena. Existe uma chance pequena de ir até lá e voltar, mas você teria que fazer isto com o cerétalo desligado. Estas informações não podem ser conhecidas pelo governo central. Estaríamos correndo um risco maior do que ser atingido por asteróides. Nós podemos mandar um dos robôs, eles poderiam manobrar com precisão no meio dos asteróides.
         _ Precisamos trazer para cá aquele asteróide, seria o ideal. Acha que conseguiríamos usar o raio trator para arrastá-lo até aqui? – cogitou Tomás.
         _ Existe uma chance, mas estaríamos correndo um grande risco. Podemos ser atingidos por um asteróide, ou até ser atraídos para a órbita de algum asteróide maior. Talvez se usássemos os motores na direção contrária, vou chamar o Quebec, o robô engenheiro da nave, ele poderia calcular a melhor posição de entrada, se explicarmos o que queremos. – disse Rena.
         Chamaram Quebec, o andróide apareceu e foi informado de toda a situação, solicitaram que ele processasse todos os cálculos para trazer o asteróide à nave. Ele o fez em alguns segundos e informou aos três:
         _ Existem chances maiores de trazer o asteróide usando o raio trator, e chances pequenas de retornar do asteróide, a gravidade de outros asteróides impedirá a nave de escape de retornar.
         _ Acho melhor trazermos o asteróide - disse Tomás.   Quebec prosseguiu.
         _ O melhor cálculo que pude executar é trazer o asteróide até uma distância de quinhentos quilômetros da zona de asteróides, a partir daí seria possível utilizar a nave de escape para atingi-lo.
         _ Se o trouxermos a esta distância, nós o colocaremos dentro da nave – disse Rena.
         Prepararam-se, então, para a missão de trazer o asteróide para dentro da nave, a manobra era muito arriscada, teriam que aproximar a nave do cinturão de asteróides, na verdade, teriam que entrar dentro da linha imaginária do cinturão, arriscando a nave a ser alvo de um asteróide pequeno, o que poderia produzir enormes estragos. Depois, teriam que se aproximar o máximo do asteróide cilíndrico e acionar o raio trator sobre ele, que estaria a uma distância de quinhentos quilômetros da nave, o risco era que outros asteróides fossem atraídos pelo raio. Depois, teriam que iniciar a fuga da zona de asteróides, de maneira lenta até que o objetivo fosse atingido.
         Aproximaram a nave da zona de asteróides, ao entrar, diminuíram a velocidade até ficar na mesma velocidade relativa dos asteróides, tinha-se a impressão de que estavam parados naquela zona. Quebec conduzia todas as operações com precisão. Navegaram pela zona de asteróides, adentrando o máximo e se desviando das pequenas pedras. Conseguiram posicionar a nave e acionaram o raio trator. Este atingiu o asteróide cilíndrico e começou o arrasto. A nave teve os motores acionados e começou a sair da zona de asteróides carregando o seu precioso tesouro.
         De repente, um baque forte atirou todos ao chão. Uma grande rocha havia atingido a nave. Quebec manteve-se firme no leme e foi o único na sala a não cair. Não pudera prever a aproximação daquele asteróide. O choque não fora forte o suficiente para causar um dano mais grave, no entanto, tirou o raio trator da rota e Quebec viu-se obrigado a desligá-lo. Imediatamente, ele recalculou as rotas, repôs a nave na rota e acionou o raio. Lentamente, conseguiu trazer o objeto cilíndrico para fora da zona de asteróides.
         Depois, abriram a porta do compartimento de carga e recolheram o asteróide, em alguns minutos, ele estava dentro da espaçonave, numa sala próxima às salas de plantas.
         Os três se aproximaram do objeto, trajados com roupas especiais, luvas, óculos de segurança e filtros respiratórios. Tomás tocou na superfície e uma fina camada de pó se desfez, ele raspou a superfície com a luva até atingir a rocha e percebeu o quanto ela era dura. Falou para Rena:
         _ Teremos que pedir aos andróides que tirem esta camada de rocha, nós não temos como fazer isso. Eles têm força e ferramentas suficientes.
         Rena ordenou a dois andróides que trouxessem ferramentas e arrebentassem a rocha para revelar o que havia por baixo. Alguns minutos depois, os dois retornaram. Munidos de britadeiras de ultra-som, começaram a destruir a rocha.  Camada por camada, a rocha foi se transformando em pó, até uma ponta da peça por baixo da rocha se revelar. Os dois continuaram a destruir a rocha.
         Os três humanos observaram o trabalho lento e incansável dos andróides a revelar uma peça metálica construída por baixo das rochas. Algumas horas depois, uma grande parte da peça já estava à mostra, era um objeto cilíndrico de quinze metros de diâmetro e quarenta metros de comprimento, como se fosse uma parte de uma antiga estação espacial.
         Os três ficaram muito excitados com aquela peça.
         _ De onde será isso? –perguntou Iosef? – Será alguma peça de uma estação espacial que se perdeu?
         _ Parece. – Rena tirou um pouco do pó que cobria a superfície da peça e colocou num aparelho de análise - e, se for, está aí há pelo menos vinte mil anos. – observou Rena – Veja, a análise da idade do pó que está grudado na camada exterior desta peça, indica que ele tem vinte mil anos. Se esta peça tem esta idade, não é uma obra humana.
         _ Vinte mil anos. Nunca foi descoberto por ninguém, como pode ser isso! –expressou Tomás.
         _ Acredito que seja porque a exploração espacial não se preocupou em estudar esta zona de asteróides, alguns cientistas até se voltaram para esta região, mas, devido a enorme quantidade de rochas sem valor, ninguém fez um mapeamento completo. Mapearam o suficiente para que passássemos em segurança até Júpiter, só isso. – completou Rena.
         Tomás circulou o objeto espacial, havia alguns orifícios com material transparente por onde se poderia ver de dentro para fora, o contrário ainda parecia difícil. Ficou imaginando qual civilização teria construído o objeto.
         _ Deve haver uma porta por onde se possa entrar nesta cápsula. – Tomás se dirigiu aos andróides – Cazaq, Ariat, procurem a porta de entrada desta cápsula e a abram, por favor.
         Os dois andróides buscaram pela cápsula e encontraram uma pequena escotilha, forçaram sua abertura, mas ela estava totalmente soldada.
         _ Senhor, não há condições de abrir esta escotilha.
         _ Então, façam um buraco na parede, queremos entrar! – ordenou Tomás.
         Os dois saíram e buscaram outras ferramentas e uma máquina de corte de metal. Escolheram a lâmina mais forte e iniciaram o corte da escotilha. A parede oferecia grande resistência e o processo de corte demorou quatro horas. Finalmente, os dois conseguiram abrir um buraco grande o suficiente para passar e entrar na cápsula.
         Os andróides foram os primeiros a entrar, examinaram as condições do interior da cápsula e injetaram a mistura ideal de nitrogênio e oxigênio para que os humanos pudessem entrar. Mesmo assim, todos tomaram a precaução de usar trajes isolantes.
         O interior da cápsula era um grande salão repleto de instrumentos, medidores, botões, mesas. Foi construída para ser usada no espaço, pois se percebia que não havia um lugar que fosse o chão, de tal forma que todos estavam pisando em instrumentos e medidores. Na cabeça dos três se formava a questão de quem construíra aquilo, já que não se assemelhava a uma obra humana. Os três percorreram a nave e foi Rena que achou, escondido entre instrumentos quebrados, um pequeno objeto retangular e teve uma surpresa. Havia símbolos, como se fossem números ou letras por todos os lugares, Iosef recolheu uma folha de algo maleável como papel, mas que não era papel.
         Logo em seguida, saíram e se reuniram fora da cápsula para uma pequena conferência. Rena mostrou o objeto que encontrara.
         _ Vejam isto, parece mais um porta-retratos.
         Tomás pegou o porta-retratos e olhou para as figuras que estavam ali fotografadas.
         _ Mas são humanos! Isto é impossível! A exploração espacial tem cerca de mil anos, esta nave tem vinte mil anos, como pode ser isso?
         _ Não sei, talvez seja o nosso mistério. – disse Rena.
         Iosef mostrou o que trouxera.
         _ Vejam, este plástico maleável, podemos amassá-lo que ele retorna ao seu formato original. Vejam isto (ele fez duas dobras e guardou o plástico no bolso, depois, retirou-o e ele voltou ao normal). Sabem o que isto está parecendo?
         _ Um dos primeiros formatos de livro digital – disse Tomás.
         _ Exatamente o que pensei. Acho que vi alguns em sua biblioteca, Tomás. E me lembrei dos livros digitais feitos de folha de plástico ionizado. Eles acendiam sozinhos, parece que usavam energia solar. Talvez este plástico seja algo semelhante.
         _ Precisamos descobrir isto (falou Rena), temos que encontrar uma forma de dar energia para a cápsula funcionar, talvez consigamos algumas respostas. Deve haver algum tipo de registro de bordo da cápsula, precisamos encontrar.
         _ Quebec poderia ligar a cápsula, se é que ela usa energia. Vou pedir-lhe isso imediatamente – e Tomás chamou Quebec e lhe passou as instruções. – Quanto a este objeto que você encontrou, precisamos descobrir qual é a sua importância...
         _ Parece ser de grande importância, há muitos instrumentos lá dentro, não sei se são computadores, talvez até sejam úteis, tendo ficado no vácuo, não devem ter se estragado. – falou Rena.
         _ Eu farei algo mais simples – disse Iosef – Colocarei este plástico sob a incidência da luz solar e vou esperar, quem sabe se carrega de energia. Sei que é algo totalmente incoerente, e, apesar do meu cerétalo informar que isto é impossível, a minha intuição quer isso.
         E realmente ele o fez. Levou a folha para a sala de cultivo e o expôs às lâmpadas solares, que eram especiais e emitiam luz e radiação semelhantes às solares para que as plantas pudessem absorver e crescer. Deixou o objeto ali e foi aos seus afazeres. Depois de algumas horas, retornou e o objeto parecia do mesmo jeito.
         Pensou que talvez houvesse algum meio de ligar e tocou a folha com os dedos, nada aconteceu. Apertou de novo, dobrou, voltou ao normal e nada acontecia. Em vias de desistir. Gritou.
         _ Isto não é nada, é só um pedaço de plástico qualquer.
         No mesmo momento, a folha acendeu e ficou branca, como ele estava embaixo das lâmpadas solares, não teve certeza de que a folha tinha acendido, levou-a, então para outra sala e, à medida que se afastava da sala de cultivo e a intensidade luminosa se reduzia, conseguia perceber que a folha estava realmente acesa, uma tênue luz branca emanava dela, uma luz clara e fraca. Ele correu para avisar os outros dois tripulantes, e estes já estavam a postos esperando o objeto, tendo percebido a vibração de Iosef através do cerétalo.
         _ Tomás, Rena, vejam, a folha se acendeu!
         Eles se aproximaram. Tomás tomou a folha da mão de Iosef e a observou, branca, de tênue luz, mostrou para Rena.
         _ Como você conseguiu?
         _ Foi depois que eu deixei exposta às lâmpadas solares. Eu falei... espera um pouco... (ele buscou no cerétalo) “Isto não é nada, é só um pedaço de plástico qualquer”, a folha de acendeu. Tenho certeza de que isto é um livro digital, precisamos descobrir como lê-lo.
_ Vamos falar alguns fonemas, talvez ele comece a funcionar... Rena, quer começar?
_ Vou utilizar alguns fonemas sem pensar... Cá, lin, tchau, san, são, qui, ping. – ela começou a dizer muitos fonemas, ao falar  “rá”, a tela mudou e diversos símbolos começaram a aparecer, organizados em seqüência, como se fossem de uma forma escrita.
         _ Uma escrita! Uma escrita desconhecida e antiga! – os olhos de Rena brilharam verdadeiramente pela primeira vez desde que Iosef a conhecera, o seu deslumbramento foi enorme. O desejo que lhe veio foi ler aquilo – precisarei de muito tempo para decifrar isto, não sei nem por onde começar. Mas gostaria de começar agora. Você me autoriza, Iosef?
         _ Você quer ajuda? Afinal, fui eu que achei o livro!
         _ Não quero, Iosef, só quero o livro.  Sabe que sou arqueóloga também, mesmo assim, agradeço.
         _ Sendo assim, fique com ele, espero que consiga decifrá-lo.
         _ Quanto a nós, vamos continuar investigando aquela cápsula, precisamos descobrir o que ela estava fazendo lá.
         Os dois retornaram à cápsula, agora ela já estava desinfetada de qualquer vírus ou bactéria conhecidos que pudessem afetar os humanos. Puderam entrar sem as roupas especiais. Tomás e Iosef andaram pela cápsula. Neste momento, Quebec veio informar-lhes que conseguira estabelecer um mínimo de energia no interior da cápsula através de uma conexão com uma bateria externa que ele providenciara. Haveria pelo menos algumas luzes funcionando. No entanto, a fonte de energia era insuficiente e muitos sistemas ficariam inoperantes por dificuldade de decodificar os sistemas de leitura dos equipamentos da cápsula.
         _ Esta cápsula deve ter algum controle, algo que faça com que a liguemos e possamos descobrir de onde ela vem. – disse Iosef a Tomás.
         _ Eu creio nisso, mas os nossos robôs engenheiros ainda não encontraram nada.
         Iosef andava pela cápsula quando avistou uma estranha imagem no fundo de uma das paredes, num compartimento lateral, chamou Tomás.
         _ Tomás, venha cá, rápido!
         _ O que foi?
         _ Veja, naquele compartimento, aquela imagem.
         A estranha imagem surgia e desaparecia insistentemente, como se quisesse dizer algo aos dois, eles se aproximaram, tinham um certo receio daquela coisa desconhecida e caminharam juntos, continuava a imagem a aparecer e sumir constantemente.
         Tomás se aproximou mais do que Iosef e levou a mão até a imagem e percebeu que se tratava de um holograma, no entanto, não conseguia encontrar a fonte geradora daquele filme.
            _ É um filme tridimensional, não sei onde está a fonte.
         _ Se é um filme, então esta nave ainda tem alguma energia, precisamos descobrir se aqui há algum comando.
         Procuraram por botões ou algum tipo de controle e não encontraram. Iosef ficou observando o filme fragmentado que passava, apesar de cheio de falhas e de difícil visualização, conseguiu captar alguma coisa.
         _ Acho que entendi o que o filme mostra!
         Iosef se dirigiu à parede cilíndrica frontal da cápsula, tocou com a mão direita aberta no centro da parede e girou a mão no sentido horário e anti-horário, da parede totalmente lisa, abriu-se uma porta cilíndrica por onde se podia passar um homem com bastante folga.
         _ É isso, esta era a porta entre esta cápsula e a uma outra parte, que eu não sei o que era, o lado de lá deve ser a parte que dava para fora, acho que esta cápsula era acoplada a uma nave espacial ou a uma estação, qualquer coisa assim. Vamos fechar esta porta.
         Ele voltou a tocar na porta com a mão direita aberta, girou-a novamente nos dois sentidos e ela se fechou. Ao se fechar, as paredes internas da cápsula se acenderam.
         _ Fantástico! – exclamou Tomás – Esta cápsula está voltando a funcionar, como você descobriu isto, Iosef.
         _ Fiquei olhando aquela imagem, apesar de fragmentada, pude perceber uma parte em que um homem colocava a mão na parede e abria uma porta. Aquele filme parece ser um manual de utilização desta cápsula, acho que nós o acionamos quando entramos.
         _ Então, vamos voltar ao filme e tentar descobrir mais alguma coisa.
         Voltaram e ficaram observando aquelas imagens fragmentadas, tentaram entender os movimentos da figura que estava projetada, viam, às vezes, que havia uma tela ou algo parecido, para onde a imagem recorria freqüentemente.
         _ É isso! Nós não podemos compreender porque estamos sob o efeito da gravidade da nave, esta cápsula foi projetada para uso sem gravidade. Se pudéssemos flutuar no vácuo, talvez compreendêssemos melhor aquele filme.
         _ Mesmo assim, acho que já sei o que fazer! – disse Iosef após prestar muita atenção naqueles fragmentos de filme.
         Ele se dirigiu até uma sala da cápsula e tocou nas paredes que pareciam não possuir qualquer controle, mas, ao seu toque, começaram a acender e uma tela de um metro quadrado surgiu numa das paredes, dentro dela, vários comandos desenhados na sua parte de baixo.