CAPÍTULOS 7 E 8



Capítulo 7

A SEGUNDA VISITA





         A segunda chegada na Terra não era promovida pela curiosidade do velho mundo. Houve um tempo em que Iosef acreditava realmente que o futuro estava em Marte e nas luas de Júpiter, os foguetes levavam as pessoas mais rápido a cada dia, a civilização expandia-se rapidamente, mas agora ele precisava retornar a Terra para entender esta expansão, queria compreender porque tinha perguntas sem respostas. Ele desceu no espaço-porto de São Paulo e tentou comunicar-se com Tomás, não conseguia encontrá-lo pelo cerétalo, tentou Rena, ela estava conectada e pediu que ele viesse ao apartamento de Tomás.
         A porta se abriu ante a chegada do visitante, Rena aguardava sentada no confortável sofá, Iosef entrou e acomodou-se numa poltrona, robôs trouxeram um aperitivo.
         _ Tomás não está aqui para recebê-lo hoje. Estava com compromisso agendado em Roma. Por que o procura?
         _ Estou muito confuso, tenho muitas dúvidas, minha cabeça não pára de pensar. Desde que aprendi a desligar-me do cerétalo, parece que o meu mundo se transformou, tudo o que eu vivia antes de vir para a Terra não me serve mais, preciso compreender o que acontece, estou aqui em busca desta compreensão. Por isso eu queria falar com Tomás o mais rápido possível.
         _ Eu compreendo o que se passa com você. Também já me senti assim, é uma reação normal quando a gente começa a usar o próprio cérebro, você começa a entender que as coisas não podem ser tão fáceis quanto nos estão apresentando.
         _ É por isso que eu quero ver o Tomás, talvez ele me ajude!
         _ Vá para Roma, tome o próximo jato, em três horas estará lá, contate o Tomás, procure-o.
         Iosef saiu do apartamento e se deslocou até o aeroporto de São Paulo, de lá, tomou o jato que partia de São Paulo a Roma, este subiu quinze quilômetros acima do nível do mar, sobrevoou uma imensa massa de nuvens chegando a cinco mil metros acima do nível do mar, de onde avistava-se o sol e o céu azul. Iosef se surpreendia com a beleza das paisagens do planeta, até quando não se avistava nada embaixo, o céu era lindo.
         Três horas depois, descia no aeroporto de Roma e conseguiu, finalmente, um contato com Tomás, este pediu-lhe que fosse até o prédio onde ele se localizava.
         Roma surpreendeu Iosef pela quantidade de edifícios antigos, mas este era diferente, um prédio enorme, localizado no canto de uma praça circular sem árvores com um obelisco no centro, antes de entrar, pesquisou nos arquivos dos computadores do governo sobre aquele prédio, chamava-se Basílica de São Pedro, ali se localizava o antigo estado do Vaticano, o centro da antiga religião cristã.
Ele entrou por uma das enormes portas e estranhou ter sido parado e terem solicitado sua identificação. Surpreendendo-se com o interior do prédio, ricamente decorado com pinturas antigas, esculturas, e túmulos de papas falecidos. Nas poucas fileiras de bancos de madeira antigos onde algumas pessoas sentavam-se, tentava localizar Tomás que, naquele momento, estava desconectado do cerétalo, precisava encontrá-lo apenas pela visão. 
       Ao caminhar pelo interior, a escultura Pietá de Michelangelo chamou-lhe a atenção e ele parou para admira-la, olhou a data num pequeno mostruário: 1499. Mais de mil e quinhentos anos atrás. A Terra continuamente o surpreendia.
      Ele passou de banco em banco olhando as pessoas que pareciam concentradas, algumas estavam ajoelhadas e isto era incompreensível para ele, reparou que havia gente de todo tipo, havia brancos, negros, tipos físicos diferentes dos mais comuns e, ao passar num banco, viu uma pessoa muito pequena que chamou sua atenção, olhou bem e entendeu que era uma criança, desde que saíra do internato que nunca mais vira uma criança, olhou-a curioso, não havia crianças circulando no mundo e, ao prestar mais atenção, viu que o interior do prédio possuía mais três crianças, era a maior concentração de crianças que já vira desde o internato.
           Finalmente, avistou Tomás ajoelhado em um banco, de olhos fechados em estado de meditação. Iosef sentou-se ao lado dele e aguardou até que Tomás finalmente percebeu a sua presença.
         _ Meu filho! Iosef, que surpresa agradável. Uma visita inesperada.
         _ Tão inesperada para você quanto para mim! O que faz aqui?
         _ Rezo.
         _ Reza?
         _ Sim, já ouviu falar em Deus?
         _ Sim, em velhas histórias do mundo antigo.
         _ Pois você irá ouvir falar muito! Levante-se.
         Uma música começou a soar e um homem de batina entrou acompanhado de mais duas pessoas, ele carregava uma espécie de cetro, subiu até o altar e parou, ficando em pé de frente para as pessoas nos bancos, disse:
         _ Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo!
         As pessoas responderam:
         _ Amém.
         Iosef viu-se acompanhando uma missa católica. Era a primeira vez que ele estava presente naquele ritual que julgava extinto havia quase quinhentos anos conforme os arquivos contidos no cerétalo e, para ele, era uma experiência diferente, à medida que seguia a celebração, com seus comentários e músicas, ele se deixava levar para uma outra dimensão do tempo, retornando quinhentos anos na história, no entanto, aquilo tocava profundamente o seu coração, carregava-o e o enchia de expectativas.
         O celebrante distribuiu um pequeno pão redondo para os presentes e algum tempo depois encerrou aquela celebração. Iosef sentia-se em outro mundo.
         _ Gostou da missa? – perguntou-lhe Tomás.
         _ Profunda e tocante!
         _ Esta foi rezada pelo próprio Papa.
         _ Papa?
         _ Sim, o chefe maior da Igreja Católica.
         _ Mas a Igreja Católica não existe mais, foi extinta há quase quinhentos anos, que loucura é esta, nós estamos no quarto milênio!
         _ Meu filho, não acredite em tudo o que você possui nestes arquivos do cerétalo, há verdades lá contidas que não correspondem à realidade. Agora mesmo, temos uma visita importante para fazer, um homem que poderá financiar a nossa viagem até Júpiter.
         Os dois saíram da Basílica e caminharam por antigas ruas com pequenas casa de pedra fascinando Iosef, até entrarem por uma pequena porta, subiram por degraus de pedra e chegaram em frente à uma velha porta de madeira. Tomás bateu com o nó dos dedos e aguardou, Iosef permaneceu em silêncio. Um homem abriu-lhes a porta, convidou-os a entrar e lhes indicou as cadeiras defronte à uma escrivaninha, do outro lado dela, estava sentado um homem extremamente velho para os padrões daquele século, o mesmo que celebrará a missa.
         _ Entre, Tomás, vejo que trouxe o seu filho!
         _ Sim, velho Matusalém, vejo que vós tudo conheceis.
         _ Você e suas brincadeiras, Tomás, sei de quase tudo, você e seu filho podem me chamar de Edmond mesmo, senão Iosef pensará que sou mesmo o Matusalém! – E enquanto dizia isso, o velho se levantou e abraçou Tomás como se fossem velhos conhecidos. Depois, Edmond voltou-se para Iosef e o abraçou fraternalmente.
         _ O que o traz aqui, meu caro amigo.
         _ Minha alma inquieta, minha preocupação com o rumo dos acontecimentos, minhas dúvidas. Você é a única pessoa no mundo a quem posso recorrer com segurança.
         _ Então diga, não se cale.
         _ Sei que talvez não seja assunto que lhe interesse, mas desconfio que as minhas pesquisas sobre o excesso de produção da Terra estejam concluídas.
         _ Este é um assunto muito interessante, pois é um mistério a resolver, muitos pesquisaram e nada concluíram.
         _ É difícil compreender, mas os humanos não estão consumindo tudo o que produzem, o excesso é levado para Io e, de lá, há um emaranhado de distribuição para Marte, Europa, retorna à Terra, e depois, de centenas de idas e vindas, os produtos retornam para Europa e depois, desconfio, vão para fora do Sistema Solar.
         _ É bom saber que você chegou num ponto em que outros pesquisadores não haviam chegado, para fora do sistema... é curioso, para onde eles estariam indo?
         _ Não sei e eu vim recorrer a sua ajuda, gostaria de seu apoio para entender este mistério, preciso adquirir uma nave que me leve até Europa, preciso de equipamentos, pensei que a Igreja pudesse ajudar-me.
         _ Você sabe que a Universidade não dispõe de recursos, mas eu compreendo que, oficialmente, você não conseguirá ajuda, mas eu posso intervir junto a um fabricante de naves para que lhe alugue uma, mas você precisa conseguir uma licença de comerciante. Há uma condição, continue informando-me de tudo o que lhe acontece, pois tudo o que acontecer com você será importante, nossa luta eterna precisa continuar.
         _ Obrigado, meu amigo, ficarei eternamente grato.
         Ambos começaram a discutir os detalhes da intervenção de Edmond junto ao comerciante.
         _ Esperem um pouco – disse Iosef – preciso saber algumas coisas a mais... como é possível que a Igreja esteja constando como extinta nos meus arquivos, que Universidade é esta de que vocês falam?
         Edmond o olhou de maneira compreensiva, mas voltou-se a Tomás primeiro.
            _ Ele consegue desligar o cerétalo da forma que você faz?
         _ Sim, eu o ensinei.
         _ Iosef, por favor, desconecte o cerétalo do seu cérebro.
         _ Sim, já o fiz. – Respondeu-lhe Iosef depois de alguns segundos. Edmond começou com tom muito tranqüilo.
         _ Meu filho, a Igreja Católica não se extinguiu, o que aconteceu naquele turbulento século vinte e cinco foi a decretação de ilegalidade dos cultos religiosos em todos os países. Mas isto não a destruiu, eu me lembro bem daquela época, foi um tempo difícil, mas nós resistimos e estamos aqui, temos mais de cem milhões de católicos, existem ainda outros tantos milhões de muçulmanos, judeus e budistas. A grande maioria das pessoas pensa que as religiões se extinguiram porque esta é a informação oficial, nós estamos calados, mas atuantes, continuamos lutando pelos mesmos princípios que tínhamos de quando o apóstolo Paulo andava por este mundo.
         _ Como? O senhor se lembra do século vinte e cinco?
         _ Claro, vivi aquele século, eu sou o homem mais velho do mundo, se isto lhe é interessante, tenho seiscentos e três anos. Edmond riu e completou – Por isso que o seu pai aqui me chama de Matusalém!
         O bom humor daquele velho era impressionante, Iosef nunca vira alguém como ele.
            _ Mas ninguém no mundo vive mais do que duzentos anos.
         _ Meu filho, estou aqui para provar, novamente, que há certas verdades que não existem nos computadores mundais. Eu sou o resultado de uma experiência de um país antigo, ávido por passar a frente de todos em tecnologia, eu não sei quanto tempo vou viver, sei apenas o que vivi, consigo ler as mentes de vocês, dotados de cerétalo com a mesma facilidade com que os vejo. O meu caminho até aqui foi longo e penoso, pois eu fui um dos maiores combatentes da Igreja no século vinte e cinco, quando eu completei cem anos, isso foi no século vinte e seis... estou velho mesmo! Tive uma experiência inexplicável, eu estava no alto da Sky Tower, dentro de uma nave a caminho de Marte e, de repente, eu comecei a ouvir umas vozes e vi três pessoas conversando e me chamando pelo nome...
         Tomás o interrompeu.
         _ Você me deixa arrepiado cada vez que conta esta história, Edmond, você vai deixar o rapaz impressionado!
         _ Eu não consigo esquecer... Elas tinham feições serenas e me pediam para segui-las, pediam que eu me convertesse... mas não foi desta vez que me converti. Ainda tive mais dois encontros com eles, no terceiro, senti-me tomado por uma paz e uma certeza tão grandes que não pude mais resistir a um chamado incompreensível... Deus me tocara, eu enxerguei todas as coisas erradas que fiz, converti-me, e há séculos venho tentando manter viva a chama divina entre os homens, sei que a minha vida está se acabando e logo precisaremos de alguém para substituir-me, mas quem será este homem de fé e coragem? Quem tem o coração tão reto para sentar-se nesta cadeira? Tenho medo, meu filho, de que não encontremos tal homem, tenho medo do futuro desta Igreja e dos homens, que, a cada dia tornam-se mais fúteis e inúteis. Mas vá, filho, e aprenda com Tomás, compreenda o destino que Cristo quer para todos.
         _ E esta Universidade que vocês falaram?
         _ Esta questão eu posso explicar-lhe – adiantou-se Tomás, todos nós que aprendemos a desligar o cérebro formamos um grupo, reunimo-nos com freqüência e conversamos como se conversava nos tempos mais remotos e formamos idéias sobre o mundo. Esta minha teoria sobre a perda de grãos é uma das idéias surgidas nestas conversas, somos poucos, não mais que trinta pessoas, e demos o nome de Universidade a este grupo. Edmond é o presidente do grupo.
         _ Compreendo, há outros que conseguem viver desta forma... vou conhecê-los?
         _ Esperamos que sim, meu rapaz – disse-lhe Edmond antes de dispensá-los. Edmond tinha compromissos naquele momento e se ausentaria, desejou boa sorte aos dois, que procuraram o aeroporto e tomaram o avião para São Paulo. Iosef custava a crer que houvessem erros nas informações do cerétalo.
            _ Tomás, como poderei saber o que é a verdade no cerétalo?
         _ Não é possível saber, Iosef. A maioria das informações é verdadeira, mas há coisas que não podemos aceitar. Não há como distinguir uma da outra. Nem tudo o que sabemos hoje é verdadeiro, há mistérios que tentamos solucionar, o meu mistério é econômico. Além do que, acredito que há uma espécie de rede, ou de sistema, que tenta fazer com que a população seja uma inútil consumidora de artigos e de verdades prontas, pense bem, o que mais se faz atualmente? Lazer e diversão. O homem vive de lazer e diversão, fingimos trabalhar porque o trabalho braçal é feito por estes robôs autômatos com cara de gente, enquanto o nosso trabalho intelectual não rende nada mais interessante.
         _ Os clubes!
         _ Sim, os clubes, um lugar fantástico, há muito o que ver e fazer lá. Piscinas, esportes, cinemas, restaurantes, musicais, boliche, salas de artes plásticas, performances diversas, artistas sem fim, parques de diversão, zoológicos, centros comerciais, tudo num só lugar, em qualquer um deles você precisa de, no mínimo, três dias para andar por tantas atrações e corredores, sem contar que elas se renovam em velocidade espantosa, e eles podem abrigar mais de cinqüenta mil pessoas, e com os jatos chegamos em qualquer um em alguns minutos, os mais distantes em algumas horas. Trabalhamos um pouco e depois nos divertimos. O que fazemos de nossas vidas? O que estamos fazendo da humanidade? A quem interessa isto? Ao governo, às corporações? Pense, Iosef, pense!
         _ Eu senti isso, Tomás, senti a inutilidade da minha vida passada nos clubes, foi quando eu estava lá e desliguei o cerétalo, o clube passou a ser algo estranho para mim, não havia razão para aquela existência e isso também me traz aqui.
         Iosef tinha dificuldades de compreender tantas questões, para alguém que crescera dentro daquele sistema perfeito em que tudo era assim, já pronto, não entendia se isto era bom ou ruim, precisava compreender e sua cabeça começou a doer demais, o cerétalo controlou as reações químicas do seu corpo para evitar aquela dor, ele se acalmou e Tomás lhe pediu que desligasse o cerétalo.
         _ Mas a minha cabeça vai doer.
         _ Sinta esta dor. Vamos, aproveite para pensar.
         Ele desligou. A dor voltou e, junto com ela, seu corpo ficou quente.
         _ Estou sentindo-me quente!
         _ É febre. Você está febril. Se piorar demais, deve ligar o cerétalo, mas tente ao menos um pouco mais, pense sobre as coisas que lhe disse.
         Iosef adormeceu no percurso de volta. E sonhou. Acordou assustado. Olhou em volta, ainda estava dentro do jato de Tomás, sentado na poltrona, estavam quase chegando em São Paulo.
         _ Aconteceu alguma coisa, Iosef? Você está com uma cara estranha.
         _ Não sei, eu estava em outro lugar, uma figura branca de asas enormes aparecia e me falava palavras que eu não compreendia, ele me mandava segui-lo, queria me mostrar algo. – Iosef percebeu que ainda estava dentro do jato – O que estou fazendo aqui? Eu estive em outro lugar, uma terra estranha, cheia de pedras...
         _ Você não saiu daqui.
         _ Não pode ser, aquela figura de asas, eu estava em outro lugar!
         _ Acho que sei o que lhe aconteceu.
         _ O que?
         _ Você esteve sonhando. Quando desligamos o cerétalo e dormimos, os sonhos vêm e, às vezes, nós nos lembramos dele. Você viu alguma figura mitológica, conecte-se novamente ao cerétalo, tente descobrir que figura é esta que você viu.
         Iosef fez o que Tomás lhe pediu, pesquisou nos arquivos do cerétalo que figura era aquela.
         _ Assemelha-se aos anjos que podemos ver em pinturas antigas da época renascentista.
         _ Anjos, é isto! – exclamou Tomás – Os anjos apareciam nos sonhos dos antigos para lhes dizer o que Deus queria que eles fizessem. Talvez Deus queira falar alguma coisa para você.
         _ Não pode ser, eu não acredito que exista um ser chamado Deus. Não é da minha formação, isto é um absurdo. Para que serve sonhar?
         _ Antigamente, acreditava-se que o sonho era uma premonição, depois que apenas era uma forma do cérebro entender as informações do dia a dia. Ninguém sabe ao certo o que é sonhar, apenas sei que quem usa o cerétalo o tempo todo não sonha, pois este bio-computador controla as atividades químicas do cérebro e impede a pessoa de sonhar. Sem o aparelho, os sonhos são constantes. É a primeira vez que você sonha, estou certo?
         _ Sim, é uma sensação estranha, parecia transportado para outro lugar como se meu corpo não fosse utilizado. Apenas os pensamentos...
            _ Apenas a sua essência era transportada – completou Tomás.
         _ Sim, talvez. Não estou certo.
         _ Você está começando a descobrir outra coisa em que eu acredito. Você está descobrindo a sua alma, o seu espírito, ou o conjunto da sua personalidade que extrapola o seu corpo físico.
         _ Alma, espírito, você está falando de conceitos ultrapassados.
         _ Um dia você irá compreender tudo isto, talvez você se lembre de outras partes do seu sonho, poderemos relacionar com outros fatos e compreendê-lo.
         O carro aterrissou no espaço porto do gigantesco prédio. Os dois desceram e foram para o apartamento.
         Rena os atendeu com a mesma alegria e delicadeza de sempre, ofereceu-lhes café. Tomás lhe contou o que acontecera com Iosef na viagem. Falou-lhe do sonho que ele teve. Rena comentou com Tomas:
         _ Talvez ele esteja preparado para conhecer aqueles objetos antigos que você possui...
         _ Aqueles que estão no armário do meu quarto.
         _ Sim.
         _ É, acho que está.
         _ Amanhã, Iosef, você vai conhecer um objeto interessante.
         _ Não pode ser agora?
         _ Não, você vai precisar de algumas horas para compreendê-lo totalmente.
         Depois do café da manhã do dia seguinte. Rena falou:
         _ Venha, Iosef, acompanhe-me.
         Ela o tomou pela mão e o levou até o quarto de Tomás.
         _ Sente-se na poltrona.
         Iosef sentou-se e esperou. Rena foi até um armário, abriu as portas, estendeu a mão e retirou um objeto da prateleira. Um estranho objeto que Iosef nunca havia visto.     
         _ O que é isto?
         _ É um livro.
         _ Livro? Continuo sem saber o que é isso. Esta coisa na minha mão é um livro, e daí?
         _ O livro é um objeto que foi muito utilizado antes dos computadores, era o meio usado para transmitir o conhecimento de uma pessoa para outra. Alguém escrevia num livro o que descobria e outra pessoa lia e aprendia. Um processo bem simples e eficaz.
         _ Muito interessante.
         _ Vou te deixar com este aí, mas, para poder compreendê-lo, você tem que desligar o cerétalo e o ler. Acho que umas três horas serão suficientes para começar a compreender. Olha, você tem que começar a ler por aqui e ir seguindo, palavra por palavra, linha por linha, página por página, até o final.
         _ Vou tentar.
         E Rena saiu da sala. Iosef começou a folhear o livro, achou interessante aquele objeto, milhares de palavras escritas, um tanto incompreensível para ele existir isso, pensou que estava voltando no tempo. Pensou que visitar a Terra era sempre este mundo antigo se confrontando com o novo.
         Abriu a primeira página do livro e olhou aquelas palavras. Leu cada uma delas na seqüência em que apareciam, nas primeiras páginas, era algo escrito sobre a editora, endereço, e depois das páginas iniciais, olhou a primeira página em que uma seqüência grande de palavras estava escrita. Começou a ler o conteúdo e, lentamente, começou a formar idéias na cabeça sobre o que lia, as idéias foram crescendo e tomando a forma da história que lhe aparecia, mas não havia qualquer imagem naquelas páginas, apenas as referências e, no entanto, tudo se formava na sua mente, ele não compreendia bem como aquilo acontecia.
         A história começou a tomar rumos inesperados, e, na sua mente, tudo se formava e se misturava. Ele parou de ler e se recostou na poltrona, deixou aquele turbilhão de informações ser absorvido pelo seu cérebro sem qualquer ajuda do cerétalo.
         Ele descobria pela primeira vez na vida a imaginação que só o livro poderia proporcionar.
         Reuniram-se à mesa na hora do almoço, Rena e Iosef.
         Rena começou a conversa, logo que Iosef sentou-se.
         _ Então, o que achou do livro?
         _ Muito interessante! Para dizer a verdade, chegou um momento que minha cabeça doía, mas era gostoso demais. A história se formando, eu fiquei imaginando como seria cada detalhe, e fiquei ansioso por saber como terminaria – tentou explicar Iosef.
         _ Precisamos ter um certo cuidado ao ler os livros, ainda mais que são peças de museu. Não podemos desperdiçar nenhum e, se fosse possível ler a todos.
         _ Eu gostaria de ler mais, Rena. Há outros livros?
         _ Pouquíssimos. Quer dizer, agora nós estamos vendo um ou outro livro novo...
         _ Como assim?
         _ Algumas pessoas os escrevem a mão, juntam as folhas de papel e os repassam para os amigos.
         _ Escrever a mão, isto é muito antigo... A Terra é sempre assim? Cheia de coisas antigas?
         _ Ainda mais que é tão difícil achar papel adequado. Mas é uma forma de resistir e de pensar, escrever ajuda a pensar e a organizar idéias, além de fazer com que possamos criar novas idéias. E ler, da forma como você leu hoje, ajuda a compreender estas novas idéias e a interiorizá-las. É sempre fascinante.
         Tomás chegou para o almoço naquele momento.
         _ Tenho uma boa notícia para vocês, vamos viajar!
        

Capítulo 8








PAISAGEM LUNAR











         Tomás conseguira alugar uma nave espacial após obter uma licença especial de comerciante, ela estaria à sua disposição em num estacionamento localizado na Lua.
         _ É isso, Iosef, vamos viajar, primeiro para a Lua, depois, Marte, e depois Europa, Io e Tritão, lá no fim do sistema solar. Consegui uma nave, é uma ótima nave, acredito que vamos conseguir alguma coisa. Preciso de mais informações para as minhas pesquisas.
         Então, voltou-se para Rena, beijou-a.
         _ Enfim, poderemos descobrir muitos segredos deste universo.
   O ônibus espacial desceu na Lua, Tomás, Iosef e Rena desembarcaram, um robô ajudante carregava as suas malas, eles se deslocaram por longas esteiras rolantes que levavam ao final do espaço-porto, onde tomariam o transporte até a locadora de veículos.
As construções lunares eram hermeticamente fechadas, a falta de gravidade no satélite terrestre impedia a formação de uma atmosfera artificial, obrigando a fechar as construções. Todo o ar utilizado era reciclado ininterruptamente, a energia da estação era obtida nos gigantescos geradores de energia solar, a água utilizada na Lua era a mesma que fora descoberta nos primórdios da colonização lunar em sua parte oculta da Terra, ao longo dos séculos, ela fora constantemente reaproveitada através dos módulos de reciclagem. Viver na Lua não era algo que desse prazer, as condições eram hostis, habitavam-na apenas as pessoas dispostas a trabalhar por um salário maior e o uso de robôs era percentualmente maior na Lua do que na Terra ou em Marte. O satélite era usado exclusivamente como ponto de apoio das viagens espaciais, pois a falta de gravidade era vantajosa para a atividade. A Lua era um grande entreposto comercial, as mercadorias que saíssem ou chegassem à Terra passavam por ela, pois era muito caro para as espaçonaves sair da Terra, já que necessitavam de quantidades extras de combustível. Da Lua, as mercadorias seguiam para a Sky Tower, que era o transporte mais barato entre a Terra e a Lua.
Tomás se concentrou e fez contato com o proprietário da locadora de naves espaciais, que lhe explicou como deveria chegar. Os três tomaram um táxi lunar guiado por um robô. A capota envidraçada do carro fechou-se, os sistemas de sobrevivência humana foram checados pelo computador, o táxi dirigiu-se até um túnel, uma pesada porta fechou-se atrás do veículo e este seguiu adiante saindo na superfície lunar, voando por sobre as pedras e crateras com precisão, as rotas, existentes há centenas de anos, eram antigas estradas de veículos lunares pesados e com rodas do início da ocupação lunar. O governo lunar optou por manter aquelas estradas, pois, mesmo para os atuais carros voadores, era melhor, pois, assim, evitava-se uma possível surpresa com outros carros voadores ou pedras muito grandes que pudessem prejudicar a estabilidade do transporte.
A paisagem cinza não surpreendia os ocupantes do veículo, apenas causava uma certa tristeza em Tomás que comentou:
_ A Lua vista da Terra é muito linda, mas quando nós estamos aqui é que sentimos a desolação deste mundo, até hoje eu tento entender porque temos um satélite deste tamanho e sem vida, parece até que foi colocado assim, ao nosso lado, somente para isso, para que o usássemos como ponto de apoio da nossa expansão espacial. Sem a Lua, nunca poderíamos conquistar o sistema solar.
O carro avançou até entrar num outro túnel, Iosef calculou que o veículo percorreu uns trinta quilômetros sob a superfície lunar. A porta do compartimento atrás do veículo fechou-se até o carro parar numa plataforma pequena. O computador de bordo checou as condições de sobrevivência humana na parte externa, estando tudo certo, a capota levantou-se e os ocupantes saíram, outra porta abriu-se e eles entraram levados por uma esteira rolante até uma sala onde o proprietário da locadora os aguardava.
_ Tomás Magrill, muito prazer, sou Chevardnaze, fez uma boa viagem?
_ Uma ótima viagem apesar de algumas horas desconfortáveis, estes são Iosef e Rena, meus acompanhantes.
         Cumprimentaram-se.
         _ Vou levá-los para conhecer uma das melhores naves cargueiras que existe em todo o espaço, por favor, acompanhem-me.
         Eles caminharam por um corredor pequeno e, no final dele, uma pequena lanchonete diante de uma imensa área envidraçada. Das janelas daquele espaço, puderam avistar mais de vinte espaçonaves, dos mais variados tamanhos, estacionadas numa cratera que fora preparada para ser estacionamento.
         _ Vamos tomar um café antes de continuar, vocês devem estar com um pouco de fome – disse Chevardnaze.
         Sentaram-se a mesa junto às enormes janelas, a luz amarelada do Sol dava um belo efeito nas naves estacionadas, um robô trouxe uma bandeja para cada um, servindo-os com café, leite e biscoitos.
            _ Por favor, experimentem estes deliciosos biscoitos da Terra.
         Tomás falou:
         _ Muito bons, Chevardnaze, vejo que você tem ótimas naves, qual é a nossa?
         _ A de vocês é aquela nave azul de tamanho médio, é uma peça de arte, modelo NETC, graneleira, fabricada pela Embraex em 2.935, está em ótimo estado apesar de seus quase setenta anos, pois tem um tempo de vida útil estimado em cento e cinqüenta anos. Tem uma velocidade máxima de um milhão de quilômetros por hora terrestre, é fantástica.
         Da janela, via-se a nave azul, que agradou Tomás.
         _ Um milhão de quilômetros! – exclamou Rena – É muito rápida.
         _ E os sistemas de sobrevivência dela? – perguntou Tomás.
         _ São excelentes! Nós os trocamos há cinco anos, são modernos, e este ano ainda fizemos uma atualização dos computadores de bordo, tudo conforme manda a legislação sobre vôos espaciais.  Dentro da nave temos os sistemas de conservação de alimentos. Melhor, vamos até lá e eu mostrarei a nave pessoalmente.
         Eles desceram até uma ante-sala em que havia diversos trajes de passeio lunar, que se fechavam hermeticamente, impedindo que o usuário perdesse calor e água e mantendo-o vivo graças a um reciclador automático de ar. Antes de sair, Chevardnaze comentou:
         _ Vocês já fizeram um passeio lunar antes?
         Responderam negativamente.
         _ É muito interessante, a pequena gravidade da Lua faz com que a gente dê passos de vários metros, vocês vão gostar.
         Depois que todos estavam vestidos, Chevardnaze isolou a ante-sala, o oxigênio foi retirado e abriu-se a porta do compartimento, os quatro saíram para um passeio, imediatamente, sentiram a diferença da gravidade artificial mantida no prédio com a gravidade real da Lua, a nave, que distava quase um quilômetro longe daquele ponto, foi alcançada em alguns minutos com alguns pulos, Iosef, Rena e Tomás sentiram uma sensação muito prazerosa a que Chevardnaze já estava acostumado. Ao chegar na nave, uma porta abriu-se e uma forte luz laser de cor amarela iluminou o chão, Chevardnaze entrou embaixo daquela luz de tração e foi carregado para dentro da nave, os outros fizeram o mesmo. As portas se fecharam. Lá dentro, o dono da locadora apertou os comandos de sustentação de vida, em apenas cinco minutos pôde retirar o capacete do traje.
         _ Aqui dentro podemos respirar normalmente.
         Todos os outros retiraram os seus capacetes. O cicerone começou a mostrar todos os sistemas de funcionamento da espaçonave, os comandos necessários para os robôs que serviam ali e todas as outras particularidades do cargueiro.
         _ Estou particularmente interessado nos sistemas de alimentação humana. – disse-lhe Tomás.
         _ Pois não, vou mostrar-lhe.
   Num compartimento, Chevardnaze mostrou-lhes o setor de conservação de alimentos, era possível conservar alimentos frescos por mais de dois anos terrestres em quantidade suficiente para dez pessoas e, caso fosse necessário, havia a horta, que era um espaço destinado a manter uma plantação hidropônica de alimentos básicos, arroz, batata e milho, produzia alguns quilos por mês utilizando a reciclagem dos rejeitos humanos que eram transformados em vitaminas e proteínas de uso vegetal, desta maneira, os ocupantes poderiam sobreviver ainda por mais de cinco anos terrestres até que conseguissem ajuda, Chevardnaze contou o caso de um comerciante que teve o controle da nave destruído num choque com um asteróide e ficou mais de seis anos terrestres perdido no espaço, até que conseguiu contato com outros comerciantes que o resgataram.
         _ Está ótimo, a nave é muito boa, quando poderemos partir?
         _ Agora mesmo se o desejarem.
         _ Não, hoje ainda dormiremos na Lua, amanhã partiremos.
         _ Ótimo, então me procurem amanhã, a nave estará a disposição.
         A contagem do tempo, mesmo na Lua ou em Júpiter, era feita com base na contagem terrestre, esta foi a maneira de manter-se o padrão de contagem e de registro dos acontecimentos.
         No dia seguinte, depois de abrir a porta do seu quarto, Iosef deparou-se com Rena, ainda de pijama, no corredor do hotel em que ficaram, não podia resistir à admiração por ela, tão bela e tão perspicaz, de raciocínio rápido, desconfiava, às vezes, que ela era quem incentivava Tomás a perseguir este objetivo.
         _ Bom dia!
         _ Tomás já acordou?
            _ Já, está se arrumando, logo iremos para o café da manhã.
         Ela entrou no quarto. Iosef dirigiu-se à copa e sentou-se à mesa. Havia mais um casal no refeitório. Um robô aproximou-se e colocou todas as louças para o serviço na mesa logo à sua frente, outro robô trouxe leite, café, torradas e creme em recipientes. Da ampla janela, tinha-se uma bela visão da Terra, com mares e continentes, ele identificou a África e a enorme Sky Tower, podia ver as naves que atracavam no porto espacial como se fossem minúsculas formigas. Sabia que em breve algumas naves estariam na Lua, outras a caminho de Marte e eles a caminho de alguma coisa que ele não sabia ao certo o que era e nem porque iria, mesmo assim, iria nem que fosse somente para matar a sua curiosidade.
         _ Bom dia, Iosef!
         Era Tomás que o surpreendia.
         _ Bela visão da Terra, não?
         Iosef retornava dos pensamentos. Tomás parecia bem disposto.
         _ Finalmente, vamos iniciar esta viagem! Espero que você ainda esteja disposto a me acompanhar até o fim.
         _ Claro, Tomás, minha curiosidade é grande, a vontade de conhecer um mundo novo também. Deixei meu cerétalo em pesquisa durante o sono, sabe quantas pessoas foram a Tritão até hoje? Pouco mais de quinhentas. É um satélite perdido no fim do sistema, levaremos quase um ano para chegar.
         _ O que nós encontraremos lá é o que me interessa. Sei que poucas pessoas foram para lá e sei que há uma estação de pesquisa com pouco mais de quatrocentos cientistas morando há mais de cinco anos.
         _ Pode ficar tranqüilo, Iosef – disse Rena – Tomás tem até uma autorização de pouso em Tritão. Já foi enviada uma comunicação para lá avisando de nossa futura chegada.
         _ Então, vocês querem ir mesmo até Tritão. Estou estranhando, será que há algo maior do que parece que eu não deveria saber? Algo que não está contido nos seus arquivos do cerétalo? Algo que está na mente de vocês?
         Rena e Tomás silenciaram tentando compreender o motivo de tais perguntas. Olharam-se e sabiam que ele estava usando mais o cérebro e, portanto, desconfiando mais das coisas.
         _ Não há nada, Iosef – disse Tomás.
         _ Sua resposta não me convence.
            _ Eu sei, mas por enquanto posso garantir que não há nada.
         O robô serviu-os. Iosef concentrou-se para saber quem era o casal ao lado, as informações contidas no cerétalo deles indicavam que eram Cindy e Angelopoulos, moravam na cidade do Cabo e estavam em passeio de férias a caminho de Marte, de repente, Iosef lembrou-se que era difícil acessar tais informações.
         _ É assim mesmo que acontece, não fique assustado – disse-lhe Tomás antes que ele pudesse reagir – Eu sei que você está pensando sobre o casal ao lado e que é impossível acessar o cerétalo sem a permissão, mas isto não é verdade. Depois que aprendemos a lidar com o nosso cérebro e a raciocinar de outro modo, podemos desenvolver esta capacidade, lembra da fórmula que criei para desligar o cerétalo?
         _ Sim, Tomás, como posso esquecê-la. Utilizo-a com freqüência.
       _ Dentro dela, eu desenvolvi um outro programa, uma outra fórmula que nos permite acessar o cerétalo alheio sem que este fique sabendo, desta forma, posso entrar nos pensamentos das outras pessoas que ainda não desenvolveram um jeito de se proteger desta invasão.
         _ Então você sabe das coisas que todos pensam?
         _ Não, não sei o que Rena pensa, ela se defende da minha invasão porque sabe desligar o contato direto entre o cérebro e o cerétalo, mas sei o que você pensa quando está distraído.
         _ O que? Por exemplo? – Desafiou Iosef.
         _ Sei que você deseja Rena, e sempre que a vê, tem vontade de fazer sexo com ela como naquela vez na cachoeira, sei que você está em dúvida sobre o que estamos fazendo ao ir para Tritão e outras coisas.
         Iosef sentiu-se constrangido pelo conhecimento que Tomás tinha de desejos secretos e de dúvidas dele, pois, para ele, o dogma da não interferência no cerétalo estava se acabando.
         _ Além do mais, acredito que o governo terrestre tem acesso ao conhecimento do cerétalo de todos os humanos, isto poderia ser o suficiente para nos controlar e saber de tudo o que acontece, as informações são repassadas para um supercomputador que armazena os dados de toda a humanidade.
         _ Então, Tomás, você acredita que talvez estejamos sendo controlados pelo governo terrestre?
         _ Controlados, não, porque acho difícil controlar os impulsos humanos, mas vigiados, podemos estar.
         _ Então nós, agora, podemos estar sob vigília do governo terrestre? Alguém pode saber que estamos indo fazer algum tipo de investigação. Alguém poderá barrar nossa viagem, impedir que prossigamos por motivos que desconhecemos.
         _ Pode acontecer e pode não acontecer, - interferiu Rena que, até então, apenas ouvia o que os dois discutiam - porque a quantidade de informação que circula pelo universo é muito grande, não acredito que seja possível manter tal controle, ainda precisamos de gente para selecionar o que é um assunto de segurança do governo, por mais que nós estejamos vinculados aos computadores, se bem que, agora mesmo, talvez esta conversa que estamos tendo pode estar gravada em algum lugar...
         _ Como assim?
         _ Ora, Iosef - respondeu-lhe Tomás, após tomar um gole de café – quando entramos neste prédio, isto ficou registrado em algum lugar porque há sensores que, para nós, são invisíveis, mas estão por aí. Se nós não fôssemos quem dissemos ser, certamente isto seria descoberto, você acha que Chevardnaze, sem nunca nos ter visto antes, iria receber-nos se não tivesse certeza de quem somos? Nós fazemos isto inconscientemente todos os dias.
         Iosef pensou um pouco e lembrou-se que era verdade, sem tomar consciência, ele sempre identificava no seu próprio cerétalo qualquer pessoa que chegasse em sua residência, esta informação era passada automaticamente pelos sensores existentes na porta de entrada, ele nunca tinha dúvidas de quem o visitava.
         _ E não é só isso, - continuou Tomás – se o governo terrestre quiser, ele tem direito de saber quanto você dispõe de dinheiro para uso, em que você gasta, quais são os seus gostos pessoais, é tão simples fazer uma espécie de diagnóstico completo do cidadão Iosef Biron, idade, sexo, residência, gostos pessoais, pessoas com quem convive, salário, lugares que freqüenta, dívidas assumidas, todos os seus passos desde que nasceu, e outras coisas. A vida da gente pode ser conhecida nos mínimos detalhes, tudo está registrado no cerétalo!
         Encerraram o café e se dirigiram a sala de Chevardnaze, que os recebeu.
         _ Estão prontos para assumir o controle da nave?
         _ Estamos.
         _ O depósito pelo aluguel é cinqüenta mil cruzetas, pagos à vista.
         _ Certo. Qual é a conta em que devo debitar o valor?
         Chevardnaze passou-lhe o número, Tomás concentrou-se e liberou o dinheiro, depositando-o na conta, conferido o débito em sua conta, o proprietário da loja liberou a nave mediante a transmissão do código de acesso. Tomás, Iosef e Rena vestiram-se com os macacões de passeio lunar, entraram no carro que os levou até a nave e subiram pelo raio trator. Quando a escotilha de acesso fechou-se, retiraram os trajes espaciais, Tomás foi até o controle de vôo e solicitou a transferência de comandos para o seu cerétalo, em poucos segundos, todas as instruções de controle da nave foram baixadas para os arquivos de cerétalo, Tomás ficou alguns minutos parado, estudando-os, assimilando-os, depois, virou-se para os seus acompanhantes:
         _ Durante o vôo, gostaria que vocês também baixassem estes arquivos, é importante que todos conheçamos os controles de vôo.
         Depois disso, ele ordenou aos robôs que executassem as manobras de solo, a gigantesca nave começou a deslocar-se lentamente até o ponto de decolagem, ao receber a ordem de decolagem vindo do controle lunar, Tomás ordenou a partida. A nave começou a subir lentamente, afastando-se da superfície em linha reta, a três quilômetros de altura, apontou o nariz na direção de Marte e partiu, em poucos segundos a Terra, vista da Lua, transformara-se em mais uma estrela no céu.
         Ao ver a Terra e a Lua distanciando-se do campo visual da nave, Tomás avisou:
         _ Atenção, senhores passageiros, aqui é o comandante da nave espacial EMB NETC-1023881, estamos iniciando nossa viagem rumo a Marte, queiram acomodar-se em seus lugares, dentro de setenta e duas horas terrestres aproximadamente estaremos pousando no nosso destino. Obrigado por escolher a nossa companhia, tenham todos uma boa viagem.
         Rena e Iosef riram da mensagem de Tomás, a viagem começava agradável. Mas as setenta e duas horas eram cansativas, apesar do espaço disponível para caminhar, praticar exercícios e descansar, não havia muito o que esperar de uma viagem espacial, por sinal, extremamente monótona, a não ser pelas outras naves que cruzavam o espaço entre os dois planetas, que mantinham contato e informavam de curiosidades. Os robôs encarregavam-se da manutenção se houvesse qualquer defeito na nave, comandos especiais e motores auxiliares podiam levá-la até a órbita do planeta mais próximo de onde se solicitava socorro, mas a regra era a falta de problemas, tudo sempre corria perfeitamente e as viagens espaciais eram as mais seguras, havia um problema em cada cinqüenta milhões de viagens, um índice insignificante, pois não haviam mortes no espaço há mais de duzentos anos.